Por tamyres.matos

Rio - Nada menos que 66 boletins de ocorrência para apurar incidentes envolvendo os trens da SuperVia foram abertos, somente este ano, pela Agetransp — a agência reguladora do serviço de transportes públicos do estado. Desde o início da fiscalização, há 15 anos, quando foi feita a concessão, a agência multou a empresa em cerca de R$ 5,1 milhões, dos quais R$ 281.542,50 apenas este ano.

A SuperVia pagou as multas? A pergunta transformou-se num capítulo à parte nessa longa história de fiscalização, aplicações de sanções pecuniárias e recursos impetrados contra as punições. Dos mais de R$ 5,1 milhões em multas recebidas, a concessionária desembolsou somente R$ 1,9 milhão, de 1998 para cá.

Outros R$ 2,7 milhões, aproximadamente, entraram para a dívida ativa do estado. Ou seja: a concessionária perdeu a briga jurídica e tem que pagar as multas, mas simplesmente não o faz e entra para um cadastro de devedores do governo estadual. E ainda há R$ 534 mil em multas que estão sendo contestadas.

Mais de 20 estações tiveram que ser fechadasAlexandre Vieira / Agência O Dia

A Agetransp afirma que faz a sua parte, ao determinar providências, fiscalizar e aplicar sanções, e que o princípio do amplo direito de defesa da concessionária tem que ser garantido.

Na verdade, tudo tem prazo bastante dilatado nesse processo de fiscalização e punições. Para se ter uma ideia, dois descarrilamentos ocorridos com trens da SuperVia em agosto de 2012 só foram a ‘julgamento’ na semana passada — um ano depois —, gerando mais multas que agora serão objetos de novos recursos por parte da SuperVia.

Julio Lopes elogia a atuação da SuperVia

O secretário estadual de Transportes, Julio Lopes, elogiou a atuação da SuperVia nos últimos seis anos de governo Cabral e rechaçou o argumento de que usuários de trens estejam no auge da insatisfação com os serviços prestados pela empresa. Ao contrário, fez questão de citar que o número de passageiros passou de 300 mil para 600 mil desde 2007 — o que seria fruto da satisfação do usuário com o meio de transporte em massa.

Ele garantiu que a depredação de um dos trens da concessionária, nesta terça, não foi obra de passageiro. “Pedi à chefe de Polícia Civil, delegada Martha Rocha, que apure essa história. É muito estranho que esses problemas nos trens aconteçam sempre no horário de maior movimento da manhã.

Também disse que em uma concessão existem obrigações, e que a SuperVia tem cumprido a parte dela. Citou que em 2007 eram apenas dez trens com ar-condicionado e hoje são 93, graças a investimentos do governo do estado e da empresa, na ordem de R$ 2,4 bilhões.

Trem é evitado por usuários

Os constantes problemas nos trens da SuperVia têm feito muita gente resgatar aquele velho ditado: melhor prevenir do que remediar. É o caso de Aline Duarte, aluna de mestrado na PUC-RJ, que mora em Nova Iguaçu e estuda na Gávea. O caminho mais lógico seria pegar o trem na Baixada e depois tomar um ônibus na Central até a faculdade.

Bombeiros resgatam passageira que passou mal em estaçãoThiago Lara / Agência O Dia

Mas Aline prefere pegar três conduções, em vez de duas, para ter a garantia de chegar a tempo de assistir as aulas: “Pego um ônibus em Nova Iguaçu, salto na Pavuna, entro no metrô e salto em Botafogo, onde pego o ônibus de integração até a Gávea. Levo duas horas e 30 minuto, mas não corro o risco de ficar parada no meio dos trilhos, como já fiquei duas vezes”.

Caldo da insatisfação e revolta entorna

Acordar e sair cedo de casa, enfrentar quase três horas de trem lotado e parar no meio caminho por um defeito na rede. Passar por isso algumas vezes no mês é rotina para muitos passageiros do ramal de Santa Cruz da SuperVia. Nesta terça-feira, o pote de sofrimento entornou. Após o aviso de que um trem enguiçado na estação Engenho de Dentro teria que retornar à estação Quintino, passageiros ficaram trancados nos vagões sem informações. Revoltados, alguns deles atearam fogo na cabine do maquinista, complicando mais ainda a viagem tumultuada.

Os ramais de Deodoro e Santa Cruz foram interrompidos e 27 estações fecharam. Não havia ônibus suficientes nas ruas para dar conta das pessoas que deixaram as composições. Enormes filas se formaram. Muitos passaram mal, abafados nos vagões. A estação Piedade foi depredada.

Na Central, trabalhadores formaram filas para pedir justificativa da concessionária para se explicar com o patrão. Em Quintino, houve tumulto em frente aos guichês para a devolução dos bilhetes. Três pessoas passaram mal e foram atendidas no local. Uma grávida foi levada para o Hospital Carlos Chagas.

DESESPERO

Morador de Paciência, o pedreiro Júlio Amanso, 51 anos, falou sobre os momentos de desespero no vagão. “Quando chegou no Engenho de Dentro, a composição parou e comunicaram que estavam aguardando a liberação do tráfego. Ficamos 30 minutos sem informação, trancados com janelas e portas fechadas, passando mal de calor. Alguns passageiros se revoltaram e partiram para frente do primeiro vagão. O maquinista saiu correndo, quando as portas foram destravadas. Colocaram uma montanha de jornais no painel do maquinista e queimaram”, disse.

A SuperVia disse, em nota, que manteve os passageiros informados sobre o problema, o que os usuários negam. E responsabiliza supostos ataques pelos problemas. Objetos estariam sendo arremessados contra a rede aérea, o que vem estaria provocando as interrupções. “Demonstram ser quadrilhas organizadas com motivações criminosas ou desconhecidas”, diz a nota.

Falhas frequentes na rede

Na segunda-feira, uma composição que saiu de Central do Brasil para Santa Cruz também sofreu problemas ao chegar em Santíssimo após uma falha na rede aérea, às 7h, fazendo com que os passageiros caminhassem pelos trilhos até a plataforma da estação. O problema afetou os trens que iam em direção a Campo Grande, com passagens entre as estações Central do Brasil e Bangu.

Na semana passada, um problema técnico próximo à Estação de Oswaldo Cruz também foi motivo de confusão, atrasando trens que seguiam de Santa Cruz para a Central, e de Japeri para a Central. As viagens foram interrompidas quando o vagão passava por Engenho de Dentro e Oswaldo Cruz. Passageiros irritados quebraram as janelas dos vagões que saíram de circulação.

Desespero nos vagões e risco no trabalho

Passageiros contaram que passaram momentos desesperadores nos vagões fechados.A doméstica Édila Santos Leite, 45, que estava dentro da composição que foi incendiada, disse que a SuperVia apenas comunicou que teria que retornar depois de permanecer 30 minutos parada aguardando liberação do tráfego.

“Já estávamos há muito tempo fritando dentro do trem, trancados, sem informação, quando disseram que precisariam retornar porque havia gente andando pelos trilhos. Não informaram na hora que era problema técnico. Muita gente estava passando mal, com falta de ar dentro do vagão. Quando retornamos para Quintino, os passageiros mais exaltados colocaram fogo no vagão”, relatou.

Nas ruas, uma multidão ligava para o trabalho, tentando se explicar para evitar a perda do emprego ou ter o dia descontado. É o caso de Isadora Mattos, 47 anos, que acordou às 5h30 para ir de Campo Grande à Central, onde pegaria um ônibus para trabalhar em Ipanema. “É difícil de explicar e de se acreditar. Acordo com céu escuro, sou trabalhora. Se tiver o dia descontado, quem vai pagar as minhas contas?”, gritava, desesperada, após desligar a ligação.

Mais espera para obter documento para justificar atraso

Quem precisou de comprovante para justificar o atraso no emprego penou mais ainda. Por volta do meio-dia, centenas de usuários ainda esperavam pelo documento. “A gente é tratado como gado. Temos problemas até para pegar um mísero comprovante ou o dinheiro de volta”, reclamou o vendedor Luís Felipe Paronço, 30 anos, morador de Marechal Hermes.

A atendente de telemarketing Maria Aguiar, 36 anos, também estava revoltada. “Não estão nem aí para a gente”, desabafou. Em nota, a SuperVia comunicou que às 7h47 de ontem, um trem do Ramal Santa Cruz ficou parado por 14 minutos na Estação de Engenho de Dentro para conserto de ar condicionado, e que precisou permanecer parada por mais um tempo à espera de sinalização, devido ao cruzamento de outro trem, e que permaneceu imóvel durante 17 minutos, quando passageiros desembarcaram impedindo a movimentação do veículo. Alega que teve um dos seus vagões criminosamente incendiado, às 9h13, e que às 11h30 a situação já havia sido normalizada. Alega que está sofrendo tentativas de boicote.

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