Por thiago.antunes

Rio - O que deveria simular o trânsito nas ruas, na verdade, é um local abandonado pelo Detran em Belford Roxo. Entre candidatos, examinadores e instrutores, sobram reclamações sobre as condições de exame para tirar a primeira habilitação. Além da tensão e do alto custo da prova, os futuros motoristas também enfrentam falta de sinalização, banheiros e cadeiras, além de calor e demora no atendimento, que pode chegar a uma hora e meia.

Na semana passada, a reportagem do DIA foi até o local, que também atende candidatos de Nova Iguaçu e São João de Meriti, e constatou que cabos de vassouras fincados em garrafas PET cheias de areia serviam como balizas, e duas pedras substituíam a placa ‘Pare’ na sinalização do cruzamento, cujo descumprimento gera reprovação imediata.

Baliza improvisada com pedaço de pau e garrafa pet%3A retrato do descaso com candidatoAnetran

Às 12h45, candidatos marcados para às 11h disputavam espaço para sentar em poucas pedras com os alunos do início da tarde, que começavam a chegar. Naquele posto do Detran, um único banheiro feminino e dois masculinos eram usados por todos. Segundo o instrutor Josué Gouveia, de 46, há dias em que 150 pessoas circulam pelo local. “Às vezes recorremos ao banheiro do supermercado, porque os do posto ficam precários”, conta.

Na fila à espera da prova, candidatos e instrutores também tinham que driblar o calor intenso, sem marquise ou toldo. A instrutora Cláudia de Araújo, de 35, protegia-se com o jaleco por cima da cabeça. “É um desrespeito com alunos e instrutores. Não tem lugar apropriado para esperarmos. Isso prejudica o aluno.”

Ela estava com a candidata Débora Gonçalves, de 27, que, em outra ocasião, fora reprovada no local depois de ter encostado numa baliza. Ela precisava passar no exame pois sonha em fazer concurso para ingressar nos quadros da polícia. “Em uma situação dessa, tudo atrapalha, ainda mais em tais condições, totalmente inadequadas para uma prova.”

Lixo acumulado%3A condições insalubres para os futuros motoristas%2C que não contam com instalações adequadasAnetran

No último dia 9, Andrea Cristina de Oliveira, de 37 anos, passou mal fazendo o exame no local. De acordo com o instrutor que a acompanhava, Djaílson Nascimento, como não havia médicos nem ambulâncias no local do exame, ele mesmo prestou socorro. “Tentei a respiração boca a boca, mas ela foi ficando roxa e morreu. Eu botei o corpo no carro da auto-escola e, a caminho do hospital, encontramos a ambulância, 20 minutos depois.”

Em nota oficial, o Detran afirmou que Andrea Cristina de Oliveira “não sofreu óbito nas dependências da área de exame”. “Ela passou mal, foi socorrida por uma ambulância e encaminhada ao hospital”, diz o texto. Não há referência na nota à falta de médicos no local do exame.

Na contramão do código de trânsito

O presidente da Associação Nacional de Examinadores dos Detrans (Anetran), Jorge Filho, disse que o caso de Andrea Cristina pode ter sido o terceiro óbito neste ano em áreas de exame de habilitação no Estado do Rio. Mesmo assim, segundo ele, nunca houve ambulância ou médicos nessas áreas.

Os exames chegam a ser realizados à noite%2C assim como o preenchimento das fichas dos candidatosAnetran

“É um evento onde se aglomeram pessoas em alto nível de estresse, que sofrem com a falta de infraestrutura básica, como cadeiras e tendas para a proteção, além de água e segurança”.
Segundo Jorge Filho, o próprio Detran infringe o Código de Trânsito Brasileiro, que fala da segurança no trânsito e proteção à vida e ao meio ambiente.

“Nós, examinadores, estamos cansados de socorrer candidatos acidentados ou que passam mal, vítimas de estresse ou fadiga”, garantiu ele. A realização de exames noturnos, sem iluminação apropriada, também é alvo de críticas. Em fotos, é possível ver a prova sendo iluminada por faróis de carros e examinadores usando telefones celulares para escrever nas fichas de alunos.

De acordo com Jorge, só neste ano, dez exames já foram realizados à noite. “Isto prejudica o exame, pois as faltas relacionadas aos pedais são impossíveis de serem marcadas, assim como o candidato tem dificuldade de enxergar as balizas e marcações”, disse.

A situação caótica já foi motivo de inquérito civil instaurado no Ministério Público, que foi arquivado depois de a promotora Glaucia Maria Santana receber a defesa do Detran argumentando que os exames não eram realizados nessas condições.

Receita é alta, mas melhorias ainda são uma promessa

Questionado sobre o valor investido em melhorias nos exames para a carteira de habilitação, o Detran não deu números, mas alegou que foram aplicados recursos em novos equipamentos, no controle das autoescolas e no monitoramento por áudio e vídeo das provas práticas de direção, através de câmeras instaladas nos carros das autoescolas e nas áreas de exame de baliza.

Mais improviso nas provas de motorista%2C com pedras no chãoAnetran

O Documento Único do Detran de Arrecadação (Duda), que o candidato deve pagar para fazer o exame custa R$ 203,54, valor reajustado anualmente. O departamento fechou o mês de julho com receita de R$ 83.506.251,78. Sobre as denúncias das condições das provas reveladas pelo DIA, o Detran afirmou que, para proporcionar maior conforto, a partir deste mês vai dotar as suas áreas de exames de uma nova e moderna estrutura móvel, que será instalada diariamente nos 13 locais onde são realizadas as provas.

“Cada área de exames será equipada com quatro tendas, 49 cadeiras, água gelada e quatro banheiros químicos. Tudo planejado com muito capricho e cuidado”. Os examinadores também terão novos uniformes, que evitam o calor excessivo, além de uma capa de chuva. Atualmente, existem 34 áreas de exames no estado. No mês de julho, 28.038 candidatos, de todas as categorias, foram reprovados nos exames para tirar a carteira de habilitação.

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