Por thiago.antunes

Rio - A declaração de informante de um policial militar indiciado no caso Amarildo motivou a tortura do pedreiro na Favela da Rocinha. O inquérito da Divisão de Homicídios (DH) aponta que Amarildo foi pego para ‘averiguação’ porque esse informante do PM Douglas Roberto Vital Machado relatou que a vítima tinha dados sobre o tráfico e, inclusive, sabia a localização do paiol onde a quadrilha escondia as armas. O militar foi um dos 10 indiciados por tortura seguida de morte e ocultação de cadáver do pedreiro.

Segundo o promotor Homero Freitas, no relatório da DH, Amarildo aparece como um prestador de serviços para o tráfico. “Ele não tinha associação ao tráfico, mas tinha conhecimento das coisas que aconteciam no morro. Ele, com certeza, poderia informar para a polícia onde teriam drogas em depósito e armas”, disse o promotor, ressaltando que a câmera da escadaria de acesso à Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) não registrou a saída do pedreiro da sede.

Dezenas de agentes da DH participaram de reconstituição na RocinhaMaíra Coelho / Agência O Dia

“Desce muita gente dessa escada, mas o Amarildo, não. Ele pode ter saído por qualquer lugar, mas ali ele não desceu”, disse, referindo-se à versão dos acusados.

Delação premiada

Investigadores acreditam que PMs podem recorrer ao benefício da delação premiada. Isso porque alguns deles, que não estavam no foco principal da investigação, podem contar o que sabem. As buscas ao corpo do pedreiro vão continuar.

Ainda de acordo com o titular da DH, Rivaldo Barbosa, uma das possibilidades é de que Amarildo tenha sido torturado na mata, já que dentro do contêiner da UPP, para onde ele foi levado, não havia vestígios de sangue. No inquérito, escutas telefônicas revelam que uma soldado chegou a dizer que viu, em certa ocasião, um corpo saindo da UPP. Porém, neste caso, não é feita nenhuma referência a Amarildo. Esta policial não está entre os indiciados.

O delegado Rivaldo Barbosa cogita a hipótese de Amarildo ter sido torturado numa mata da RocinhaEstefan Radovicz / Agência O Dia

Com o depoimento de testemunhas dando conta que pessoas teriam sido agredidas com choques e asfixiadas com saco plástico, a DH presume que o mesmo possa ter ocorrido com o pedreiro, mas a informação não foi confirmada. A família disse que o pedreiro tinha epilepsia.

“Não existe prova direta da tortura do Amarildo, mas há provas indiciárias de depoimentos de testemunhas que dizem ser hábito a prática de tortura na UPP com choque, saco na cabeça e pancadaria”, afirmou o promotor.

Permanência de oficial em UPP é considerada um erro

Coordenador de Direitos Humanos do Ministério Público, Márcio Mothé afirmou que um dos erros do caso foi a permanência do major Edson Santos no comando da UPP da Rocinha mesmo com a investigação em andamento. O oficial, um dos 10 indiciados pelo crime, só foi afastado da função cerca de um mês e meio após o desaparecimento de Amarildo. “Foi um equívoco. O caso merece punição exemplar para afastar de vez a tortura como método utilizado pela polícia, sobretudo numa área pacificada”, disse.

Segundo investigadores, nenhum dos policiais confessou o crime. Eles estão afastados do serviço na UPP da Rocinha e lotados na Coordenadoria de Polícia Pacificadora (CPP), onde quatro deles fazem, há um mês, serviço de guarda e faxina.

Perícia apontará se restos mortais achados num terreno em Resende são de Amarildo%2C que sumiu em 14 de julhoEstefan Radovicz / Agência O Dia

O promotor Homero Freitas vai encaminhar nesta quinta-feira a denúncia à Justiça. Até esta quarta-feira, ele não havia decidido sobre a prisão preventiva dos dez policiais, conforme pedido do delegado Rivaldo Barbosa.

“Todos vão responder da mesma forma. Os dez participaram do arrebatamento. O coronel pode dar uma ordem ao soldado, mas, se a ordem for ilegal, o soldado não tem que cumprir e nem deve cumprir. Se ele cumprir, assume o risco”, detalhou Homero. A pena pode chegar a 30 anos de prisão.

Ministra pede reforma nas polícias

A ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência, Maria do Rosário, afirmou ontem que o indiciamento de 10 PMs pelo desaparecimento do pedreiro Amarildo revela a necessidade de imediata reforma nas polícias.

Maria do Rosário caracterizou o Caso Amarildo como emblemáticoElza Fiúza / ABr

“A responsabilização dos policiais só reforça a ideia de que precisamos de uma reforma da polícia que assegure aos agentes trabalharem mais voltados aos cidadãos, sendo responsabilizados e orientados ao não cometimento de crimes contra os direitos humanos”, declarou a ministra, após participar de audiência pública na Câmara dos Deputados, em Brasília.

Maria do Rosário ainda caracterizou o Caso Amarildo como emblemático e fez questão de ressaltar o amadurecimento das instituições pela conclusão do inquérito. “É um amadurecimento porque oferece a possibilidade de agentes do Estado, se vierem a realizar violações de diretos humanos, não fiquem à margem de serem responsabilizados”, concluiu.

Espero a condenação

Elisabete Gomes, de 47 anos, mulher de Amarildo, disse ontem que já esperava pelo indiciamento dos 10 PMs que eram lotados na UPP da Rocinha. “Foram eles que mataram e sumiram com Amarildo. Tenho gritado isso desde o começo para o mundo inteiro ouvir. Agora, só espero que todos sejam condenados e que o corpo do meu marido apareça para fazermos um enterro digno”.

Ontem, a diretora do Posto Regional de Polícia Técnico-Científico de Resende, Alexandra Nogueira, revelou que um relógio carbonizado, com pulseira metálica e fundo aparentemente vermelho, foi achado junto à ossada encontrada, também carbonizada, domingo, em Resende, no Sul do estado, conforme O DIA mostrou com exclusividade. A polícia investiga se a vítima seria Amarildo. O acessório passa por análise.

“Não era de Amarildo, pois ele não usava relógio”, afirmou Elisabete. A irmã de Amarildo, Maria Alice, disse que a família espera ansiosa o resultado do teste de DNA. “O relógio pode ser da pessoa que o torturou e o matou”, ponderou.

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