Rio - Os black blocs têm feito muito barulho e estragos nas ruas do Brasil, principalmente no Rio. O fortalecimento dos manifestantes mascarados no país é fruto da conjunção explosiva de três fatores, diz o canadense Robert Muggah, diretor de uma pesquisa que acompanhou esses grupos nas redes sociais nos últimos três meses.
De acordo com Muggah, o primeiro componente dessa tríade seria a concentração de uma grande massa de jovens entre 19 e 25 anos de idade com nível escolar acima da média.
Essa turma nasceu já na era da internet e tem total intimidade com ferramentas e softwares de comunicação instantânea, além de acesso a smartphones e outros dispositivos móveis. São os chamados nativos digitais, que cresceram num mundo altamente conectado, que conseguem trocar ideias e se organizar de forma não tradicional, aproveitando a rapidez da interação via internet. O segundo facilitador da força dos black blocs, portanto, seria justamente a “fantástica revolução tecnológica” na área das tecnologias da informação.
“Com isso, qualquer programador básico pode se tornar um revolucionário competente, se quiser”, diz Muggah, diretor de Pesquisas do Instituto Igarapé, grupo de estudos financiado por instituições de diversos países europeus e americanos. É então que aparece o terceiro fator realmente explosivo: esses jovens não conseguem ver suas expectativas atendidas pelo Estado. O futuro lhes é incerto, assim como as promessas de que haverá bons empregos, boas escolas, um mundo melhor.
Os protestos serviriam, portanto, para expressar a insatisfação desses jovens com o blablablá tradicional das várias instâncias de governo que, entra ano sai ano, sempre prometem dias melhores. Que não chegam nunca. “A realidade é outra”, diz Muggah, lembrando que identificou o mesmo comportamento em cidades que viram movimentos semelhantes, como Seattle, México, Cairo ou Damasco. Mas o black bloc do Rio tem características próprias. Segundo o pesquisador, a união dos mascarados a outros grupos — como a recente parceria com os professores em greve — é uma peculiaridade carioca.
Ontem, grupo mascarado distribuiu brinquedos e doces na Cinelândia e na Lapa, pelo Dia das Crianças.
Mudanças na cidade provocam conflitos
Uma questão importante: por que o Rio tem sido o alvo preferencial dos black blocs no Brasil? Quem responde é Gustavo Diniz, pesquisador do Igarapé:
“Há um contexto histórico marcante. Nos últimos anos, houve a convergência dos dois governos, municipal e estadual, com o governo federal. A cidade se transformou em prol de megaeventos, feitos para atrair mais investimentos. Só que os recursos que entram não ganham funções sociais e aí surge um processo de exclusão da camada mais marginalizada. Surge, então, uma série de conflitos, como nas UPPs, nas desapropriações ou nos protestos. Essas modificações históricas não estão ocorrendo, com tanta intensidade, em outras cidades do Brasil”.
“Um movimento bem mais amplo”
?Especialista em segurança e com longo currículo em ações humanitárias, Robert Muggah faz questão de deixar claro que o Instituto Igarapé é uma organização apartidária. Mais que isso, não lhe interessa saber se os black blocs estão certos ou não em suas questões políticas.
“Estamos focados nos black blocs brasileiros porque eles fazem parte de um movimento bem mais amplo, que está se espalhando pelo mundo”, garante ele.
Avalanche de informações
?Para realizar a pesquisa ‘Black bloc rising: social networks in Brazil’, o Instituto Igarapé coletou 74.087 posts, 160.106 comentários e 1,45 milhão de likes em 42 dos perfis do Facebook que garantem estar representando os mascarados em vários cantos do país.
Os pesquisadores usaram softwares como o Facebook Graph, entre outros, tradicionalmente adotados por marqueteiros para mapear grupos de consumidores e traçar estratégias de mercado.
O Facebook foi a plataforma principal de análise porque é a rede que os brasileiros preferem. Em setembro de 2013, cerca de 89% da atividade dos brasileiros nas redes sociais foi realizada no Facebook. Em outros países, como o México, por exemplo, a comunicação entre os black blocs ocorre mais frequentemente através do Twitter.
A pesquisa detalhada estará disponível a partir de amanhã no site do Igarapé, em http://igarape.org.br/.