Por tamyres.matos

Rio - Os 20 presos nas manifestações que estavam respondendo a processo na 35ª Vara Criminal tiveram liberdade provisória concedida ontem pela Justiça, por não apresentarem risco à população e porque não tiveram suas condutas criminais individualizadas pela Polícia Civil. Já dos 33 que estavam na 21ª Vara, só foram soltos Renato Tomaz de Aquino e Ciro Oiticica. Os outros 31 tiveram a prisão em flagrante convertida em preventiva, o que significa que eles podem permanecer presos até o julgamento da ação. Nesta quinta-feira, diversos grupos protestaram contra as prisões.

Nesta última decisão, o juiz da 21ª Vara entendeu que as declarações de testemunhas comprovaram a prática de ‘atos de vandalismo’ após a manifestação dos professores. Foram relatados ataques a lojas, a agências bancárias e ao patrimônio público. “Seria, pois, verdadeiro contra-senso admitir-se eventual soltura desses indiciados, o que, inequivocamente, implicaria em lesão a diversos direitos coletivos”, detalhou o juiz, que ressaltou a falta de comprovantes de residência e de ocupação lícita dos presos.

O magistrado também estabeleceu pagamento de fiança ao grupo. Segundo o Tribunal de Justiça, está nas mãos do Ministério Público a oferta de denúncia ou não contra os manifestantes ainda presos.

Na Cinelândia%2C grupo se reuniu para pedir a libertação dos presosAlexandre Brum / Agência O Dia

Nas redes sociais, comunidade dedicada à soltura da ativista Elisa Quadros, a Sininho, que foi líder da ocupação na Câmara dos Vereadores, reúne mais de 4 mil pessoas. Ela está presa com outras três mulheres, na penitenciária Joaquim Ferreira, em Bangu. No ‘Libertem sininho’ no Facebook, cartazes em várias línguas mostram a foto da jovem com bandeira do Brasil. O apelo já chegou à Anistia Internacional.

Diretor-executivo da entidade no país, Átila Roque fará um pedido formal ao sistema judiciário e ao governo estadual, solicitando a libertação dos presos. “Estamos acompanhando o caso, e se for necessário também vamos acionar organizações internacionais”, declarou Roque, que considerou todas as prisões arbitrárias.

Aluno libertado voltará aos protestos

Mesmo declarando um enorme desgaste emocional e físico, o estudante da UFRJ Ciro Oiticica, de 25 anos, que foi a terceira pessoa a ser libertada ontem, garante que não deixará de participar das manifestações. “Minha prisão só me dá mais convicção da necessidade de se alterar esta lógica ditatorial”, declarou o jovem, que, por 12 dias do mês de setembro, participou da ocupação do interior da Câmara dos Vereadores.

Quando recebeu voz de prisão, Ciro estava sentado nas escadarias da Câmara. “Vieram mais de 50 policiais. Começaram a nos revistar até que o major Busnello (do Bope) disse para um PM me levar”, contou. Na noite de terça, ele foi para a 25ª DP (Engenho Novo) com outras 39 pessoas. O motivo da detenção só foi dito no dia seguinte. “Passamos a noite numa micro sala na delegacia, e os policiais só levantaram nossos antecedentes de manhã”, detalhou Ciro, que na cadeia ficou em uma cela completamente alagada.

Sepe faz novo ato público

O Sindicato dos Professores (Sepe) divulgou nota contra as prisões, e convocou manifestantes para ato hoje às 14h, na Cinelândia. “As ações truculentas, por parte das autoridades e do aparato repressivo, contra manifestantes e profissionais das diversas mídias de comunicação tornaram-se uma triste marca nos últimos meses, agravando-se nos últimos dias.” A entidade afirma que a intimidação a ativistas e as “prisões arbitrárias” precisam ser combatidas por todos os defensores das liberdades democráticas. Estudantes da PUC fizeram ato pela liberação dos presos.

Na Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz%2C houve ato de repúdio à prisão de pesquisador%2C que teve habeas corpus concedido pela JustiçaFabio Gonçalves / Agência O Dia

Fiocruz vê conotação política em prisão de pesquisador

O pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Fiocruz, Paulo Roberto de Abreu Bruno teve ontem seu pedido de habeas corpus aprovado pela juíza Daniela Alvarez, da 35ª Vara Criminal, e deve ser solto hoje. Antes, um ato foi organizado pela ENSP em repúdio à prisão.

Paulo Bruno foi levado por policiais após o protesto de terça-feira. Ele gravava imagens diante da Câmara Municipal para usar em pesquisa sobre manifestações urbanas, iniciada em junho deste ano.

O pesquisador também atua em um projeto sobre a situação ambiental do Complexo de Manguinhos. Em outubro de 2012, o governador do Rio, Sérgio Cabral, determinou a desapropriação da área da refinaria do local, para a construção de casas populares. Mas o estudo apresentado por Paulo mostrou que o local é de alta concentração de substâncias tóxicas. As análises completas ficarão prontas em 2014, mas os planos do governo foram frustados e uma liminar suspendeu a desapropriação do terreno em agosto deste ano.

“Paulo pode ter contrariado interesses econômicos”, declarou Hermano Castro, diretor da ENSP. “Foi uma prisão arbitrária. A justificativa de formação de quadrilha torna a prisão política. Estamos voltando ao passado”, completou o diretor.

O pedido de soltura foi feito pelo advogado Jorge Santos, do sindicato da Fiocruz. “Nós alegamos o fato de Paulo ter emprego e estar trabalhando quando foi preso. Foi um fato político e arbitrário”, resumiu o advogado.

OUTRA DENÚNCIA DE TIRO

O estudante de Psicologia Rafael Santana, 24 anos, pode ser a segunda vítima baleada durante o protesto. Quarta-feira, à noite, ele registrou queixa na 5ª DP (Mem de Sá) afirmando ter sido atingido no ombro por um tiro no protesto de terça. Ele foi atendido no Hospital Miguel Couto, na Gávea. Segundo a polícia, o estudante não soube dizer de onde partiu o disparo mas afirmou que estava na Rua Santa Luzia, no Centro, quando foi atingindo. Segundo relato do jovem, ele estava perto de ônibus da PM. Imagens de câmeras no local serão analisadas.

Os pais de Rodrigo Azoubel, baleado no protesto de terça-feira, Roberto Azoubel e Flávia Lacerda, emitiram nota esclarecendo que o jovem não portava arma e alertando para o risco de ações violentas como a que vitimou Rodrigo. “Ele exercia o seu ‘direito de livre manifestação e de reunião em locais públicos’, como assegura o Artigo 5º da Constituição.”

Acrescentam que o ocorrido “abre um perigoso precedente” e assusta a eles e às “famílias cujos filhos exercem o direito de se manifestar e que agora estão sendo transformados em alvos da violência armada e da criminalização política.”

Reportagem de Alessandra Horto, Angélica Fernandes, Caio Barbosa, Christina Nascimento, Constança Rezende e Maria Inez Magalhães

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