Rio - Manifestantes que provocam violência nos protestos estão contribuindo para a prisão de pessoas inocentes. A lógica parece controversa: quem vai para as ruas lutar por uma sociedade justa, mas pratica depredações e vandalismo, alimenta o sistema que repudia. Essa é a opinião do presidente da Comissão de Segurança Pública da OAB, Breno Melaragno, que é contra a aplicação da nova lei.
O pensamento dele é simples: a polícia, pressionada a dar um resposta rápida aos atos, tem feito detenções sem muitos critérios quando começa o quebra-quebra. O resultado é que inocentes estão sendo vítimas de um perigoso jogo, onde o desfecho pode ser uma cela de Bangu.
DIA: Qual é a avaliação do senhor sobre a aplicação da nova Lei do Crime Organizado para manifestantes presos?
MELARAGNO: É equivocada e inócua, desnecessária. Por que ela é errada? Essa lei se destina na verdade à criminalidade transnacional, mira em grupos mafiosos. Em 2004, o Brasil aderiu ao chamado Protocolo de Palermo. É uma convenção internacional da ONU, em que Estados visam a combater em conjunto grupos criminosos que atuam ao mesmo tempo em vários países. São terroristas, por exemplo, mas (a lei) se aplica mais em casos de lavagem de dinheiro, tráfico de pessoas. Outra questão é que, para cumprir sua finalidade, a lei cria requisitos para se enquadrar em organizações criminosas: mínimo de quatro pessoas, distribuição de funções, hierarquia, prática de crimes graves (são aqueles cuja pena máxima supera quatro anos) ou crimes transnacionais.
DIA: Então, essa nova lei não se enquadra aos manifestantes....
Muito provavelmente o Judiciário não vai concordar. Os dispositivos existentes do Código Penal já bastam. Fala-se muito que os manifestantes são presos, pagam fiança e são liberados. A polícia não está autuando nos crimes certos. Por exemplo: crime de incêndio, de explosão, ambos inafiançáveis, e de tentativa de homicídio.
É a polícia que está errando nesse momento?
A polícia não consegue prender quem tem que prender. Então, o que eles fazem? Prendem os manifestantes pacíficos para prenderem alguém e, por ordem do governo, do Executivo, aplicam essa lei extraordinária para causar uma sensação de que é perigoso se manifestar. Mas a tendência disso é o Judiciário corrigir esse erro.
Mas por que a polícia não consegue se antecipar aos atos de vandalismo?
É tudo muito novo. A Polícia Militar não tem treinamento para lidar com manifestações. Ela tem batalhão especializado em eventos. É o mais próximo que ela tem para manifestações. E muita gente inocente é presa. Esse é o grande problema.
E nesse grupo de terça-feira (após a manifestação dos professores no Centro do Rio) tem muita gente inocente?
Tem. Eu tenho notícias de que são muitas. A gente fica sabendo pelos advogados apoiados pela OAB que estão nas manifestações. São casos de pessoas que não estavam fazendo nada demais, manifestando pacificamente ou que estavam saindo do trabalho e acabaram presas porque a Polícia Militar tem que prender alguém.
Qual é a visão do senhor sobre os Black Blocs? São eles que estão provocando o vandalismo?
Acho meio ruim generalizar black bloc, porque tem alguns que não admitem o uso de violência. Mas eu acho lamentáveis os black blocs que admitem e praticam violência. Eles prestam um desserviço enorme à sociedade. Pressionam a polícia a prender qualquer um, inclusive inocentes, tiram o foco das manifestações, e geram a violência e ações desmedidas da polícia, como foi na terça-feira, com o uso da arma de fogo.Acho que eles têm que ser presos. A OAB repudia a prática desse segmento. Há grupos que agem assim por ideologia e há muito provavelmente interesses políticos infiltrados nesses grupos. Sem sombra de dúvida.
Um banco, um imóvel depredado com um vigilante dentro, por exemplo, no momento do ato configura tentativa de homicídio?
Dependo do caso. Se eles sabem que tem um segurança dentro e ateiam fogo na entrada, impedindo a saída dele, isso é tentativa de homicídio sim. Nosso Direito lida muito com a intenção de quem comete o crime. Só que dentro da intenção tem o chamado dolo eventual. Então, o sujeito vai e quebra a vidraça ( de um prédio), ele pratica o crime de dano ao patrimônio. É um crime, mas é afiançável, ele é liberado na delegacia, responde ao processo e pode ser condenado a uma pena alternativa. Agora, se fica provado que ele sabia que tinha um ser humano lá dentro e que tinha noção que estava expondo a perigo a vida dessa pessoa, essa conduta pode ser classificada como tentativa de homicídio.