Por tamyres.matos

Rio - Realengo, 22h30 de quinta-feira. Encapuzados invadem uma casa na Rua Nuretama e fuzilam cinco homens e duas mulheres. As cenas de horror na Zona Oeste seguem sem tréguas, fazendo vítimas de forma cada vez mais violenta, característica ímpar de uma região marcada pela mistura explosiva de quadrilhas ligadas ao tráfico, milícia e contravenção. A fuga de criminosos de áreas pacificadas para lá tem acirrado ainda mais as disputas sangrentas por territórios. No meio da guerra que parece não ter fim estão três milhões de moradores — metade da população carioca.

“O que vemos é o aumento da violência na Zona Oeste, que, sem atenção adequada do estado, transformou-se numa espécie de para-raio, atraindo toda a sorte de criminosos”, lamenta o juiz Alexandre Abrahão. Ele fala com a experiência de quem está há quase dez anos à frente da 1ª Vara Criminal de Bangu. Pedra no sapato de bandidos, Abrahão, que já perdeu as contas da quantidade de traficantes, maus policiais e bicheiros que já condenou, costuma comparar a Zona Oeste ao Iraque. “Aqui a guerra é pesada nas três modalidades de crimes”, justifica o magistrado, que vive acompanhado de seguranças desde 2004.

Operação da PM na Favela do Rola%2C em Santa Cruz%2C para encontrar armas e drogasSeverino Silva / Agência O Dia

Só no primeiro semestre deste ano, de acordo com o Instituto de Segurança Pública (ISP), 109 pessoas foram executadas em Santa Cruz, um dos maiores bairros da região. No mesmo período do ano passado, 84 foram assassinadas.

A quantidade de desaparecidos aumentou. É o caso de Bangu, onde 92 pessoas foram assassinadas nos seis primeiros meses deste ano. De janeiro a julho, porém, 217 casos de desaparecimentos foram registrados na 34ª DP (Bangu), 49 a mais que o ano anterior. Em toda a região, 684 pessoas sumiram no primeiro semestre.

18 CARROS ROUBADOS POR DIA

Para a execução dos crimes, carros e motos são alvos preferidos dos grupos armados. Conforme o ISP, 3.240 veículos foram roubados ou furtados nas áreas do 14º BPM (Bangu), 18º BPM (Jacarepaguá), 27º BPM (Santa Cruz), 31º BPM (Recreio) e 40º BPM (Campo Grande) nos seis primeiros meses do ano (média de 18 por dia). A assessoria de imprensa da Polícia Civil informou que os delegados da Zona Oeste têm dezenas de inquéritos abertos sobre a ação de traficantes, milicianos e bicheiros, mas não dão entrevistas sobre investigações em andamento.

Operações diárias desde agosto

Na tentativa de conter a criminalidade na Zona Oeste, o coronel Hugo Freire determinou a realização de operações diárias desde agosto, quando assumiu o 2º Comando de Policiamento de Área (CPA), responsável pelos cinco batalhões da região.

“Todos os dias, realizamos incursões em comunidades diferentes. Vamos vencer pelo cansaço as quadrilhas, seja de paramilitares, contraventores ou traficantes”, garante Freire.

Moto foi apreendida pela polícia durante ação após chacina em RealengoOsvaldo Praddo / Agência O Dia

Ele revela que, por causa das ações, só nos últimos dois meses, 327 pessoas ligadas às três modalidades de crimes foram presas e mais de 200 caça-níqueis e 84 armas, entre elas 12 fuzis, além de dezenas de quilos de drogas, apreendidas.

Na quinta-feira, por exemplo, na Vila Aliança, em Bangu, homens do Batalhão de Operações Especiais (Bope) prenderam Celso Costa, 39, que estaria com sete tabletes de maconha. A Favela do Rola, em Santa Cruz, é cenário frequente de troca de tiros entre bandidos e a polícia, assim, como na Covanca, em Jacarepaguá, onde no mês passado, o subtenente da PM, Marco Antônio Gripp, morreu em troca de tiros.

Liga da Justiça virou Explosão

Na região há um número crescente de prisões. No primeiro semestre deste ano, foram 1.732 detenções. Em 2010, não passaram de 1.250. O número de registros de todo tipo de crime, só na 34ª DP (Bangu), já atingiu este ano a casa das 13,5 mil ocorrências. Mil a mais que em todo o ano de 2012.

Para disfarçar, o crime organizado tem mudado sua forma de agir, passando a atuar de forma mais discreta. No documentário ‘No Sapatinho’, do Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado (Uerj), pesquisadores relatam que as milícias reinventaram sua maneira de operar.

Liga da Justiça atua em bairros da Zona Oeste%2C com apoio de políticos já presosSeverino Silva / Agência O Dia

“Continuam cruéis, mas sem andar em grandes bandos armados e sem marcar casas (quando o morador não paga taxa imposta). Mudaram até nomes. A ‘Liga da Justiça’, por exemplo, virou ‘Explosão’”, diz a socióloga Thais Duarte, da Uerj.

Para ela, a solução no combate ao crime na Zona Oeste está na criação de forças-tarefas entre a PM, Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público e Delegacia de Repressão ao Crime Organizado (Draco).

50 DENÚNCIAS A CADA MÊS

Alexandre Abrahão, 45 anos, juiz

1. Quantos criminosos já condenou?

“Não há estimativa. Mas recebo em média 50 denúncias por mês.”

2. Por que a região é cada vez mais violenta?

“É afastada do Centro e tem condição geográfica que permite que as três facções criminosas do estado tenham o mesmo potencial. O elevado índice de corrupção em razão do volume financeiro em disputa também é chamariz para milicianos e bicheiros.”

3. O senhor continua com escolta?

“Eu e meus parentes temos a proteção de seguranças. São nossos anjos da guarda. Rezo por eles todos os dias.”

4. As prisões de milicianos como Jerominho, ex-vereador e líder da Liga da Justiça, e seu irmão Natalino, Ricardo Teixeira da Cruz, o Batman, e Toni Ângelo, minaram a força política deles?

“Quebramos a espinha dorsal dessa gente.”

5. A criminalidade na Zona Oeste tem solução?

“Sairemos vitoriosos, apesar de a violência estar instalada em todos os cantos, desde favelas a bairros mais nobres, como a Barra, onde explodem até carros (referindo-se à explosão do carro do bicheiro Rogério Andrade, em 2010, que resultou na morte do filho do contraventor, Diogo Andrade, 17, e de um segurança).”

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