Por thiago.antunes

Rio - Os bandidos que invadiram o Fórum de Bangu quinta-feira, além do resgate de dois presos, pretendiam assassinar o juiz da 1ª Vara Criminal local, Alexandre Abrahão. As informações sobre o plano de execução do magistrado foram encaminhadas nesta sexta-feira à Secretaria de Segurança, à Divisão de Homicídios (DH) e à 34ª DP (Bangu). Há suspeitas de que a ordem teria partido do traficante Celso Luís Rodrigues, o Celsinho da Vila Vintém, preso no Complexo Penitenciário de Gericinó. Na ação, morreram o menino Kayo da Silva Costa, de 8 anos, e o sargento PM Alexandre Rodrigues de Oliveira. Os corpos foram sepultados ontem, em meio a comoção popular. A polícia recebeu informações de que a trama para matar Abrahão foi arquitetada na Vila Vintém.

Para isso, está sendo investigado que seria necessário que Alexandre de Melo, o Piolho, e Vanderlan Ramos da Silva, o Chocolate, fossem arrolados como testemunhas de Luiz Armando, o Dallas. Mas a defesa desistiu de ouvi-los. Nesta sexta-feira, após saber do plano dos criminosos, o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, pediu à Justiça a transferência de Celsinho da Vila Vintém para presídio federal. Quinta-feira mesmo, ele já havia solicitado a retirada do Rio de Piolho e Chocolate.

Marcas de tiro no local onde ocorreu a tentativa de invasão dos criminososCarlos Moraes / Agência O Dia

A investigação sobre o ataque contra Abrahão é reforçada pelo fato de os criminosos terem tentado chegar à sala de audiência. Na ocasião, Abrahão presidia o julgamento de outros três réus, enquanto os principais alvos do resgate estavam no andar de baixo. Os bandidos não chegaram até lá porque foram impedidos pelo sargento Oliveira e seguranças do juiz.

Em março, durante sessão na qual Celsinho e a mulher dele, Deise Mara Rodrigues, respondiam por tráfico e lavagem de dinheiro, ele causou tumulto e foi retirado da sala por ordem de Abrahão. Celsinho e Deise foram absolvidos em junho.

Valor de recompensa por informações que levem à prisão de Scooby Doo subiu para R%24 5 milDivulgação

Em nota, o Tribunal de Justiça afirmou que cabe à Secretaria de Administração Penitenciária avaliar e comunicar a periculosidade de réus e testemunhas. No caso, não foi montado esquema de reforço de policiamento. “Estou há dois anos e meio no comando e nunca recebi informações sobre a segurança do Fórum”, disse o comandante do 14º BPM (Bangu), Glaucio Moreira. Segundo a PM, havia 15 policiais no local, mas testemunhas afirmaram ter visto cinco. Duas vítimas de balas perdidas continuam internadas.

Scooby Doo: identificado em vídeo da ação no fórum

Imagens do circuito interno do fórum flagraram a ação de três criminosos que invadiram o local. Um deles foi identificado pela Divisão de Homicídios como Leandro Nunes Botelho, mais conhecido como Scooby Doo, chefe do tráfico do Morro dos Macacos, em Vila Isabel. Ele teria comandado a ação. O Disque-Denúncia (2253-1177) lançou ontem novo cartaz com recompensa no valor de R$ 5 mil por informações que levem à prisão de Scooby. O anonimato é garantido.

Para chegar aos outros autores da invasão, os policiais civis estão analisando imagens captadas por câmeras, que também estavam posicionadas fora do fórum. Nesta sexta-feira, foi encontrado um Citroën C-4 branco, um dos quatro veículos usados para a fuga da quadrilha. O dono do carro também foi levado pelo bando como refém e depois libertado. Operações da PM prenderam sete suspeitos em Bangu.

PM morto era evangelizador de crianças

“Morreu cumprindo o dever dele, do qual era apaixonado”. O desabafo é de Antônio Generoso de Oliveira, 71 anos, pai do sargento Alexandre Rodrigues de Oliveira, 42 anos, durante o enterro do filho, ontem, no Cemitério Jardim da Saudade, em Sulacap. Cerca de 200 pessoas, entre familiares, amigos e colegas de farda compareceram ao cemitério.

'Ele era apaixonado pelo que fazia'%2C disse pai do sargento OliveiraReprodução

O PM morreu ao trocar tiros com bando que invadiu o Fórum. Foi enterrado com honras militares e chamado de herói. Ficava na guarita na entrada da unidade. Ele estava há dez anos na PM e era lotado no fórum há pouco mais de um ano. O policial fazia parte de um grupo de evangelizadores de crianças na corporação.

Alvo dos criminosos, o juiz Alexandre Abrahão postou no Facebook um desabafo sobre a ação dos criminosos caso. “Gostaria de pedir a cada um de vcs (...) oração para a criança que foi executada (...) ao policial que faleceu, um verdadeiro herói, amigo e digno, que vi tombar na minha frente alvejado covardemente na cabeça (triste espetáculo que levarei até meus últimos dias)”. Ele pede ainda uma reflexão sobre o que se pode fazer pelo Brasil, alegando que a culpa é de todos. “Quanto a culpa? Simples! A culpa e nossa enquanto sociedade! Não percam tempo alegando que a culpa foi da falta disso ou daquilo (...).

Deslocamento de presos volta a debate

A invasão reacendeu a discussão sobre a audiência por meio de videoconferência, prevista em lei desde 2009. De acordo com o TJ, o estado utiliza o sistema apenas para presos fora do Rio. As casas de custódia, diz o TJ, são responsáveis pelas instalações necessárias para videoconferência. Secretário de Administração Penitenciária, Rubem Cesar Monteiro afirmou que ideal seria construir fórum em Gericinó.

Kayo ganhou homenagem de amigos

Inteligente, educado e apaixonado por futebol. Assim era visto Kayo da Silva Costa, de 8 anos. Por causa da paixão pelo esporte, o corpo foi sepultado ontem, em Realengo, sob a bandeira do Vasco (time de coração) e ao som do hino do Bangu, clube que defendeu nas categorias de base por dois anos. Uma câmera de segurança flagrou o momento em que o menino foi atingido pelo tiro de fuzil. Ao lado dele, a avó demonstra desespero. 

Em homenagem a Kayo Cabeludinho, como era chamado, companheiros do time sub-9 de futsal foram ao enterro com uniforme do Bangu. 

“Ele era a segurança da defesa. Graças a ele, marcamos 80 gols e levamos apenas 10 ao longo da Rio Copa Futsal”, orgulhava-se o pequeno João Victor. O avô do menino, Juamir do Rosário, já havia prometido um churrasco comemorativo, caso a equipe vencesse a final do torneio, em dezembro. O título se tornou obsessão para os meninos, que pretendem dedicá-lo ao amigo morto. A continuidade nos treinos sempre fora condicionada ao bom desempenho escolar.

“Dias atrás, ele já havia confessado que pediria a Papai Noel uma chuteira idêntica à usada pelo ídolo Neymar”, revelou o avô, emocionado. Inconsolável, Adriano da Costa, pai de Kayo, pede justiça. “Acabaram com uma família. Isto não pode ficar impune”, disse. O Bangu não treinou ontem. Caminhada do clube ao fórum, em protesto à morte, será feita neste sábado, a partir das 9h. Quinta-feira, às 19h, horário em que Kayo estaria em quadra, o clube pretende realizar mais uma homenagem póstuma.

Colaboraram Felipe Freire, Gabriel Sabóia e Maria Inez Magalhães

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