Rio - Às vésperas de ver o programa das UPPs completar cinco anos com a tomada do Santa Marta, dia 20, José Mariano Beltrame já não navega no céu de brigadeiro dos primeiros dias. Isso, porém, não abala a sua convicção de que está no rumo certo. Nesta entrevista por e-mail, o secretário de Segurança admite o aumento nos índices de violência, diz que a culpa é dos critérios políticos para criar batalhões usados por seus antecessores e ataca os críticos do programa ‘que nunca entraram numa favela pacificada’. “A sociedade abraçou o programa UPP. Cabe a ela lutar para ele ser mantido”, diz, revelando que estuda trocar UPPs de contêineres por unidades fixas.
O DIA: O programa das UPPs completa no dia 20 cinco anos, quando a PM entrou no Santa Marta. Qual o balanço que o senhor faz?
BELTRAME: Encontramos um Rio abandonado, sem projeto de segurança pública, com chefes do tráfico comandando ataques em toda a cidade. Nas favelas, havia o domínio do que chamo de ‘império’ — e lá a polícia não podia entrar, os moradores tinham seu direito de ir e vir cerceado e quem ousasse desafia-los era imediatamente punido da forma mais covarde e cruel possível, como aconteceu com o jornalista Tim Lopes. A partir das UPPs, essa realidade começou a mudar, pois territórios passaram a ser de quem de direito — seus moradores. Hoje temos 34 UPPS, um projeto criado para retomar territórios e inverter a lógica da guerra. Sabemos que alguns desses lugares precisam de ajustes e estamos trabalhando nisso. Mas a mudança de vida de quem mora nessas comunidades e no entorno é inegável.
A percepção de que o Rio é violento, por quem mora fora daqui, mudou?
Em 2007, na cidade, tínhamos uma taxa de 37,8 mortes para cada grupo de 100 mil habitantes; fechamos 2012 com 18,9. Outros índices de criminalidade importantes também tiveram queda e a população percebeu. Os turistas também — hoje você os encontra durante todo o ano na cidade. Os roubos a transeuntes caíram quase pela metade, de 2009 a 2012. O Rio sofre com estigma de cidade violenta no Brasil e no mundo, mas de acordo com o Mapa da Violência, do Instituto Sangari, não figura entre as dez mais violentas do país e sequer entre as 50 mais violentas do mundo. Os grandes eventos são uma boa oportunidade para turistas brasileiros e estrangeiros conhecerem o Rio e a cidade mudar a imagem, que o abandono gerou desde os anos 80 e 90.
Como enxergava o Santa Marta antes da pacificação e como o vê agora?
Você certamente lembra das guerras do tráfico que aconteciam lá, não é? Pois o morador do Santa Marta também. Hoje, qualquer um pode entrar lá — que, aliás, já foi visitado por vários artistas internacionais. Quem está circulando ostensivamente hoje no Santa Marta é a Polícia, e não o tráfico de drogas.
Críticos dizem que as UPPs são inviáveis pelo custo da contratação de novos PMs e por se restringir a ‘favelas nobres’...
Isso parte de quem não conhece o projeto, que nunca entrou numa comunidade pacificada para constatar a enorme mudança na vida de quem mora lá. Sobre ‘favelas nobres’, não sei o que querem dizer com isso. Temos UPPs nas zonas Norte, Sul e Oeste.
Nas favelas, ouve-se que os contêineres, provisórios, provam que o programa vai acabar após a Olimpíada. Isso prejudica?
Pode, sim, passar uma sensação de provisório. Temos em algumas UPPs bases fixas e queremos isso em outras. Em relação ao programa, veio para ficar. Gostaria de dizer que fico muito feliz em ver que ele foi abraçado pela sociedade. Cabe a ela lutar para que seja mantido.
O senador Lindbergh Farias (PT) disse que conta com o senhor como secretário caso seja eleito...
A única hipótese de eu continuar será no governo Pezão.
Números do ISP apontam aumento dos índices de violência em relação a 2012. Há a necessidade de correção de rota?
Sim, houve um aumento, mas você deve levar em consideração que nos comparamos com nós mesmos. Em agosto de 2012, tivemos a menor taxa de homicídios da série histórica. Em segurança, sempre há necessidade de correção, eu já disse mais de uma vez que nunca estarei plenamente satisfeito.
As manifestações ajudaram neste aumento?
Em regiões como o Centro, em que passamos meses tendo que deslocar a tropa para lidar com manifestações diárias, sim. Em outros locais temos problemas como a histórica falta de efetivo nos batalhões, mas estamos resolvendo aos poucos, com o deslocamento de parte dos policiais que se formam todo mês. E digo histórico porque antes deste governo os critérios para criar um batalhão eram políticos. Hoje, são técnicos.
O que acha de descriminalizar o uso de drogas?
Antes de considerar esta hipótese, o Estado tem que dar garantias de tratamento para os dependentes químicos.
A relação entre PMs e moradores de favelas, durante décadas, foi marcada por invasões e troca de tiros. Esta memória atrapalha o processo?
Quem mora nesses locais que durante anos foram dominados pelos traficantes tem memória traumática que não some de uma hora pra outra. Em relação à polícia, também não será de uma hora para outra que será sentida a mudança da lógica da guerra para uma polícia de proximidade. Tudo é um processo e pode ser que a gente leve uma geração para compreender.