Por nara.boechat

Rio - Qual é o perfil das vítimas que morrem nos confrontos com a polícia do Rio? A pergunta que grupo de estudiosos da UFRJ fez durante detalhada pesquisa de dois anos continua sem resposta. Mas traz uma constatação alarmante: existe um exército de anônimos mortos em operações. Dados obtidos pelos analistas junto ao Instituto de Segurança Pública (ISP) revelam que, entre 2007 e 2010, 2.983 pessoas, vítimas de auto de resistência (morte em confronto com os agentes), sequer tiveram a faixa etária identificada no boletim de ocorrência ou posteriormente. São pessoas que não se sabe nem se foram enterradas como indigentes.

Se comparadas com estatísticas de 2003 até 2006, também do ISP, quando houve 2.503 mortes por auto de resistência sem identificação, chega-se a conclusão de que houve aumento de 480 vítimas de confronto, na categoria de desconhecida, entre 2007 e 2010. Isso significa 120 pessoas a mais por ano no anonimato das mortes em ações policiais. Os dados estão no livro ‘Quando a Polícia Mata’, resultado de um estudo coordenado pelo sociólogo e professor Michel Misse no Núcleo da Cidadania, Conflito e Violência Urbana da UFRJ.

Clique na imagem para ampliá-laArte O Dia

A obra é um exemplo de como é complicada a busca por informações sobre ocorrências criminais em que há mortes de suspeitos. Na publicação, uma tabela da página 36 traz informações sobre a faixa etária dos ‘Civis mortos pela polícia durante confrontos’ e informa que, em 2007, 788 menores de 18 anos haviam morrido em autos de resistência. Quando já estava na gráfica para a impressão, o livro precisou ganhar um posfácio. Isso porque, segundo Misse, o ISP informou que os dados repassados estavam errados. Questionado, o órgão afirmou que fará uma reunião com o sociólogo para entender o que ocorreu.

“Curiosamente, o ISP afirma que agora eles não sabem a faixa etária das vítimas. Isso significa dizer que antes se sabia, e que agora não se sabe mais. Evidentemente que isso causa perplexidade, mas, como os produtores da estatística oficial são eles, não vou discutir. Acatamos, colocamos a nova estatística, acrescentando o que a OAB e todos os órgãos da sociedade civil já sabem há muito tempo: não estamos bem informados sobre o que se passa nesta área no Rio e no Brasil”, afirmou Misse, em apresentação no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ, na semana passada.

ISP afirma que inclui dados a partir das investigações

Indagado sobre o grande número de vítimas anônimas que aparecem nas suas estatísticas, o ISP explicou que grande parte das mortes violentas “não possui um conjunto de dados no momento” de sua ocorrência. E que há informações que só são adicionadas a partir das investigações — especialmente os dados relacionados com identidade da vítima, idade e endereço.

Ainda segundo o ISP, isso não se restringe aos casos estudados pelo sociólogo Michel Misse, mas se aplica aos homicídios de uma forma geral. “Quando você analisa as mortes decorrentes de intervenção policial sem identificação de idade, cabe esclarecer que os dados oficiais são baseados nos registros policiais e nos seus aditamentos realizados dentro de cada mês”, explicou o órgão, em nota.

A Polícia Civil diz que atualiza informações sobre óbitos sem identificação no seu banco de dados. Porém, não soube dizer se o ISP faz o mesmo com as estatísticas.

Não foi apenas o número de vítimas sem identificação que aumentou no primeiro mandato de Sérgio Cabral. Segundo o ISP, houve 4.339 mortes em ações policiais entre 2003 e 2006: e 4.370 entre 2007 e 2010. Embora a alta em quatro anos seja de 31 casos, os números totais são expressivos.

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