Por bferreira
Rio - Quando foram sorteadas para fazer parte do Programa Minha Casa, Minha Vida, 220 famílias de Queimados sonharam que não mais teriam que se preocupar com inundações e risco de desabamento. A prestação do imóvel caberia na renda e, de quebra, receberiam financiamento da Caixa Econômica Federal para mobiliá-lo. Era o recomeço — agora, seguros e com conta de luz e água, no Condomínio Paulo Duque, no bairro Belmont.
Rayanne ainda não conseguiu apagar a marca d’água na parede do seu quarto%2C que ficou todo alagadoAgência O Dia

Acordaram do sonho, porém, um ano depois. Parte das famílias viu a água da chuva das últimas semanas tomar suas casas e estragar móveis, o esgoto voltar pelo ralo, o forro do teto ameaçar cair e a tranquilidade sonhada ficar comprometida. Como nos velhos tempos.

“Meu marido está viajando, e eu não dormi em casa praticamente a semana toda. Não tenho estrutura psicológica para ficar aqui sozinha”, desabafou a cabeleireira Rayanne Leyd, 22 anos, moradora do imóvel 139.
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Ela mostrou a marca da água na parede. “Tinha medo de que tudo caísse na minha cabeça enquanto dormia”, diz, apontando para o forro, por onde é possível ver o telhado.
Morador da casa 121, o aposentado Apolinário dos Santos, 73, emociona-se ao lembrar da noite de terça-feira. “A prestação é baixa? É. Mas é a que está nas nossas condições. Não precisavam ter feito a casa de qualquer maneira. Fico triste pela minha família”, desabafa o aposentado, que é deficiente visual.
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A esposa, Rosana dos Santos, 32, afirma que um dos três filhos — um menino de 9 anos, com deficiência intelectual — está com medo de dormir, achando que a água vai entrar novamente. “O sofá, o guarda-roupa e a estante estragaram sem nem ainda começarmos a pagar”, reclama.
As famílias pagam o condomínio (R$ 47) e o financiamento da Caixa (o valor varia de acordo com a renda familiar). Algumas têm direito às tarifas sociais de energia e água, e a maioria ainda gasta com prestação dos móveis (R$ 120, em cinco anos),
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Mas, na sexta-feira, quando O DIA esteve no local, chegara a conta da Cedae. A de Iara Custódio França, 51, moradora na casa 166 (quarto, sala, cozinha e banheiro) constava o valor de R$ 922,25. “Há três meses reclamo e nada”, disse.
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Prefeitura vai cobrar obras estruturais das construtoras
Além do Condomínio Paulo Duque, no bairro Belmont, há em Queimados outro conjunto habitacional do Minha Casa, Minha Vida com problemas: o Valdariosa. Lá, os moradores tiveram casas inundadas e parte dos móveis foi perdida — todos financiados pelo programa Minha Casa Melhor, da Caixa.
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A Prefeitura de Queimados promete cobrar das construtoras melhorias estruturais nos condomínios, embora não tenha recebido reclamação das famílias de Belmont. Uma equipe da Defesa Civil vai ao local durante a semana.
A Cedae afirma ter inspecionado o local na sexta-feira — informação negada pelos moradores — e pede que procurem a loja da companhia mais próxima.
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Já a Caixa Econômica Federal prometeu enviar uma equipe às localidades e acionar as construtoras, que são responsáveis pelas estruturas por cinco anos. Quanto aos móveis, diz o banco, ‘não há seguro para desastres naturais’.
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Enchente leva fotos e ‘apaga’ memórias
O casamento de Antônio Carlos Teixeira, 64, foi num dia de junho de 1971. O tempo e a idade, porém, dificultam a lembrança precisa da data. As fotos da cerimônia, muitas com a inscrição ‘dia, mês e ano’, resolveriam o branco da memória. Mas o morador de Santa Eugênia, Nova Iguaçu, há 30 anos, não as tem mais.
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As fotos se foram com as seguidas enchentes. Com elas, os registros especiais dos quatro filhos. “Estão apenas na memória, que, com a idade, às vezes falha. Pior que as perdas materiais é perder a própria história”, lamenta.
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Reservatórios de água em casa podem ser solução para o futuro
A criação de reservatórios independentes em praças, parques e até no quintal de casa é apontada como uma das soluções possíveis para reduzir os efeitos devastadores da chuva no Rio nos próximos anos.
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A tese é levantada pelo engenheiro civil Marcelo Miguez, professor de Recursos Hídricos da Coppe/UFRJ. Ele defende a preservação de áreas permeáveis de vegetação e a construção de imóveis capazes de reter a água da chuva.
“Em vez de poucos reservatórios grandes, é possível ter muitos reservatórios pequenos nas residências. São medidas que podem modificar a lógica da urbanização”, acredita.
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O geógrafo Moacyr Duarte, pesquisador sênior do grupo de análise de risco tecnológico e ambiental da Coppe, elogia o uso de sirenes de alerta em áreas de risco. “É uma estratégia que preserva vidas. Mas é importante que as pessoas deem atenção à Defesa Civil. A eficiência do sistema depende disso.”
O engenheiro civil Mauricio Ehrlich alerta que o risco de desabamento em encostas continua, mesmo após as chuvas. “Há uma saturação no terreno e grande concentração de chuvas intensas em pequenas regiões. A possibilidade de deslizamento é muito maior, caso ocorra outra chuva forte”, alerta.
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Reportagem de Herculano Barreto Filho e Nonato Viegas