Por bferreira
Rio - O cabo José, de 30 anos, já se envolveu em mais de dez confrontos no Complexo da Mangueirinha, uma das áreas mais perigosas de Duque de Caxias, na Baixada. Mas o praça só teve curso de tiro em outubro de 2005, quando saiu do Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças (Cfap). Policial militar há três anos, o soldado Antônio, de 33, ainda não possui arma própria. E precisou esconder o distintivo embaixo do tapete do carro ao ter o veículo roubado por quatro bandidos armados há sete meses. Ele estava de folga naquele dia.

Os nomes usados nesta reportagem são fictícios. Mas as histórias fazem parte do cotidiano de PMs que pagam do próprio bolso pelos tiros dados em estandes particulares e precisam sair do serviço desarmados durante meses, enquanto aguardam pela liberação da licença para portarem arma.

Os PMs não vão ao estande apenas para aprimorar a mira. Com licença concedida pelo Exército%2C o comércio também vende armas para os policiaisHerculano Barreto Filho / Agência O Dia

Um estande em Mesquita, na Baixada, é mantido graças à presença constante de PMs entre os clientes. Segundo uma funcionária, nove em cada dez que procuram o local pertencem à corporação, desembolsando pelo menos R$ 100 para dar 50 tiros com munição recarregada.

“É munição reciclada. Eles pegam o chumbo, derretem e colocam a pólvora na cápsula. Não é o ideal, mas serve para o treinamento”, explica o soldado Carlos, de 31, que foi ao estande pela última vez em março, para dar cem tiros.
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Mas os PMs não vão a Mesquita apenas para aprimorar a mira. Com licença concedida pelo Exército, o comércio também vende armas. Na última sexta-feira à tarde, o soldado Antônio foi lá para comprar uma pistola, que custa R$ 4,9 mil. Estava acompanhado por um colega de farda à paisana, que estava armado.
“Como ando desarmado, chamei um amigo, para garantir a minha segurança. Não posso andar sem proteção, porque posso ser reconhecido por algum bandido”, pondera.
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Vanderlei Ribeiro, presidente da Associação de Praças da PM, criticou a corporação pelas dificuldades impostas aos policiais. “É uma falta de respeito pela vida do PM. Quem sofre é a sociedade, que vai ter um policial mal preparado”, argumenta.
‘É vergonhoso’, diz coronel
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O coronel Mário Sérgio Duarte, ex-comandante da PM, criticou o fato de policiais treinarem tiros em estandes particulares.
“É vergonhoso, mas temos que atender a demanda da população, que é ter a polícia na rua. E aí, não há tempo para instrução”, disse o coronel, que hoje atua como secretário de Segurança em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.
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No comando da corporação até setembro de 2011, o coronel chegou a conceder aos policiais militares o direito ao porte da arma pertencente à corporação.
Longa espera para portar arma de fogo
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O soldado Cleber, de 25 anos, entregou R$ 2,7 mil num envelope no balcão do estande, para comprar a sua primeira arma particular, uma pistola calibre 380. O dinheiro foi economizado desde janeiro, para evitar os juros numa aquisição parcelada.
Mas saiu de lá apenas com a nota fiscal, que será entregue ao seu batalhão de origem nos próximos dias. A expectativa é que só retire a arma depois de uma espera de até nove meses.
O soldado Cristiano, de 26 anos, já aguarda pelo registro há quatro meses. “Moro perto de uma comunidade. E estava com a família quando vi dois homens armados. Se me identificassem, era um abraço. Vivo com medo”, confessa.
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Curso intensivo em janeiro
Em nota, a Polícia Militar informou que os policiais vão passar por cursos intensivos em janeiro, incluindo manuseio e uso de arma de fogo.
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Sobre a burocracia para liberar arma, a PM explicou que a legalização depende do Exército e da Polícia Federal.
Tenente reformado das Forças Armadas e instrutor de tiro, Helder Andrade alerta que fazer disparos não é o suficiente para ter um bom policial. “Precisa ter excelente condicionamento físico, técnico e psicológico”, diz.
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