Por thiago.antunes
Rio - A teia do crime. A Justiça do Rio de Janeiro tem em mãos evidências do gerenciamento político de um dos maiores esquemas de corrupção descobertos no Detran. Gravações telefônicas e depoimentos à 1ª Vara Criminal de Santa Cruz ligam o deputado estadual Coronel Jairo (PMDB) à quadrilha que movimentava R$ 2 milhões por mês na legalização de carros irregulares. O grupo tinha 181 pessoas — funcionários do departamento de trânsito, despachantes e policiais.

Presa na Operação Cruzamento, há dois meses, uma ex-funcionária, com 13 anos de serviço no Posto do Detran de Campo Grande, contou à juíza Regina Célia Moraes de Freitas como a quadrilha agia e qual era o papel de cada um no esquema. O grupo, segundo a testemunha, foi indicado pelo deputado Coronel Jairo — chamado de “o dono do Detran de Campo Grande” — para trabalhar na empresa Facility — responsável pelo recrutamento dos funcionários tercerizados do posto.

Material apreendido na Operação Cruzamento%2C no dia 18 de novembro%2C para prender acusados de envolvimento em fraudes no DetranCarlos Moraes / Agência O Dia

Entre os 22 empregados do Detran de Campo Grande que, segundo a testemunha, “indicados” pelo deputado, quatro são parentes de Hélio Oliveira, genro do parlamentar: os irmãos Sandro e Alexandre Afonso, a cunhada Glauciele Paes e o “compadre” Fagner Gomes.

O quarteto era encarregado por cobrar as propinas. Sandro e Fagner coordenavam os turnos da manhã e da tarde e exigiam diária de R$ 50 de cada vistoriador. A caixinha era uma espécie de pedágio para trabalhar nos guichês onde passavam táxis, vans e carros alugados — classificados como os mais fáceis de ter irregularidades e candidatos a pagar boas propinas pela vista grossa. Os funcionários que se recusavam a arrecadar dinheiro — para não atrapalhar a quadrilha — iam para guichês de emplacamento, com baixa possibilidade de irregularidade.
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O esquema era suprevisionado pelo chefe do posto, Flávio Tomelin, outra indicação do Coronel Jairo. De acordo com a testemunha, o deputado passou a “controlar” o Detran de Campo Grande em 2008, após a prisão dos irmãos Jerominho e Natalino Guimarães, por ligações com a milícia.
Coronel Jairo indicou o genro Hélio de Oliveira%2C entre outros%2C no Detran de Campo Grande. Hélio, em posto estratégico, colocou dois irmãos e uma cunhada no esquemaReprodução

Propina usada em campanha

Parte do dinheiro arrecadado com as propinas era destinada à campanha política. Em depoimento na 1ª Vara Criminal de Santa Cruz, a ex-funcionária do Detran garante que é comum em todos os postos do Detran do Rio recolher dinheiro para ajudar políticos encarregados da nomeação. Sustentou, inclusive, que em 2012 a candidatura do vereador Jairinho (filho do Coronel Jairo) recebeu ajuda financeira e apoio logístico dos envolvidos no esquema.

A testemunha descreve as reuniões organizadas às vésperas da eleição pelo diretor do posto, Flávio Tomelin, para, segundo ela, obrigar os funcionários a conseguir votos de parentes e amigos para o candidato Jairinho. Sem contar a entrega de fichas com dados pessoais e idas a comitês de campanha de Jairinho em Campo Grande e Bangu. O elo entre o deputado e Jairinho com o posto do Detran era feito por Hélio Oliveira. Segundo a testemunha, era ele quem comandava os comitês eleitorais.

Sandro e Alexandre Afonso (em cima) são irmãos de Hélio de Oliveira. Fagner Gomes é compadre de Grauciele Paes, cunhada de HélioReprodução

Entrevista com Coronel Jairo - 'O governo pede que indique'

O DIA - O senhor colocou pessoas no Detran de Campo Grande?
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Não é verdade. Essas pessoas não são nomeadas pelo político. Como é que funciona isso? O governo pede que indique pessoas para fazer curso lá. Eu não nomeio ninguém, o deputado não tem força para nomear. Isso é feito pelo governo, o governo faz um curso lá. Tanto é verdade que a gente manda lá pro governo o nome de 100, 200 pessoas, e só umas 20 é que é (sic) aprovada. Não é nem o deputado que nomeia. O deputado Iranildo (Campos) estava até falando isso: “eu indiquei para o governo uns 100, só botaram 20”. Então, se fosse a gente que nomeasse, todo mundo que a gente mandasse tinha que ser nomeado, né? Não é o caso.
O processo diz que o chefe do posto, Flavio Tomelin teria sido indicado pelo senhor.
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Pois é, não pode ser indicado por mim. Ele é orientado para que procure o Detran, é uma pessoa. Quando a gente é aliado do Governo, ele é orientado para que vá lá, mas quem nomeia é o governo, é o Detran.
O senhor sabe que foi citado na investigação?
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Foi uma menina. Agora pega lá e vê se tem alguma coisa. Fala de um deputado, sem falar... Agora vê se tem alguma coisa lá, vê se tem alguma ligação minha lá... porque eles fizeram escuta, né? Mas a verdade é que eu nem fui chamado, ninguém me chamou, o Hélio também ninguém chamou.
Além do Hélio, seu genro, o senhor conhece os outros envolvidos? E o Sandro e o Alexandre?
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São irmãos dele. Não tem nada a ver, e também já está todo mundo solto. O negócio era tão grave que já está todo mundo solto (ironiza).
Eles trabalham no Detran?
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O Sandro é despachante, nunca trabalhou no Detran. O outro trabalhou, mas o Sandro nunca trabalhou não, era despachante, não tem vínculo nenhum com o Detran. Assim como o Hélio também não tem vínculo nenhum com isso.
A juíza fala que há evidência do envolvimento do senhor...
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O desembargador lá não concordou com isso não, nem o promotor que está à frente dos trabalhos.
A testemunha revela que o senhor era o “dono” do Detran.
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Ela, desesperada lá, falou um montão de bobagem. O que é que a gente vai fazer, né? Eu estou te dizendo a expressão da verdade. Os próprios meninos que foram presos, muitos deles eu nem conheço.
À espera do procurador
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O processo que apura a máfia no Detran foi enviado pela juíza Regina Freitas, de Santa Cruz, ao Órgão Especial do Tribunal de Justiça — justamente por envolver um parlamentar com direito a foro privilegiado. Ele aguarda, há duas semanas, o parecer do procurador-geral de Justiça, Marfan Martins Vieira.
Na decisão, a juíza diz que na investigação fica ‘evidenciada a participação no esquema do deputado estadual Coronel Jairo’, que o depoimento da testemunha corrobora as transcrições telefônicas e os ‘demais elementos encontrados nos autos’. A testemunha ganhou direito a delação premiada.
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