Por tamyres.matos
Rio - Enquanto passageiros de ônibus com destino à Zona Sul desfrutam, muitas vezes, de um ambiente refrigerado no veículo, quem vai para as Zonas Oeste e Norte enfrenta o calorão dos coletivos. Nesta quarta-feira, equipe do DIA monitorou dois pontos diferentes no Centro do Rio e constatou o predomínio do ar-condicionado nos veículos que vão para os bairros mais próximos do mar.
Na Avenida Rio Branco, no ponto em frente ao Largo da Carioca, em uma hora, de 59 veículos que cruzaram a via com destino à Zona Sul, 16 (27,1%) possuíam ar. Já na Avenida Presidente Vargas, no ponto na altura da Rua Regente Feijó, em igual período, dos 70 coletivos com destino às zonas Norte e Oeste somente um (1,4%) era refrigerado.

“Já cheguei a passar mal de calor em um ônibus que não tinha ar. É um sofrimento”, critica a secretária Antônia Monteiro, de 59 anos, que estava ontem na Presidente Vargas à espera de um ônibus para Campo Grande, um dos bairros que compõem a região mais quente da cidade, a Zona Oeste, que registrou ontem, a média de 31 graus, contra os 27 graus de Copacabana, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia.

Na Avenida Presidente Vargas com Regente Feijó%2C em uma hora%2C foram contados 70 ônibus para as zonas Oeste e Norte e apenas um tinha ar Carlo Wrede / Agência O Dia

Da frota de 8.788 ônibus na cidade, apenas 933 (18%) contam com ar-condicionado. Segundo a Rio Ônibus, que representa os quatro consórcios operadores dos serviços de ônibus da cidade, a predominância dos veículos refrigerados na Zona Sul é uma “lógica de mercado” da época que a tarifa ainda era diferenciada.

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Até junho do ano passado, a tarifa dos veículos refrigerados era mais elevada. Entretanto, quando a prefeitura anunciou o aumento para R$ 2,95, unificou os valores. Após o recuo dos preços diante das manifestações, ambos passaram a custar R$ 2,75. Sem aumento das passagens, os empresários alegam não ter como investir em mais veículos refrigerados. Segundo a Rio Ônibus, um coletivo com ar custa em média R$ 360 mil, 20% mais caro de um veículo convencional (R$ 300 mil).

Para a professora de Engenharia de Transportes da UFRJ, Eva Vider, a solução para ter uma frota 100% climatizada é a subvenção econômica do governo. “Se mantiver a mesma tarifa, abaixo do equilíbrio financeiro das empresas, como acontece hoje, o governo precisa entrar com subsídios para ter a melhoria dos transportes — seja dando dinheiro, comprando ônibus com ar ou conseguindo financiamento. O sistema de transporte precisa ser de qualidade. Senão, como será nas Olimpíadas?”, questiona Eva, que usa os quentões.

Motorista bebe água para se refrescar do calor dos ‘quentões’Carlo Wrede / Agência O Dia

Promessa difícil de cumprir

A Secretaria Municipal de Transportes não sabe como vai cumprir a meta de ter toda a frota de ônibus climatizada até 2016 com as tarifas de ônibus congeladas há dois anos. O acordo foi firmado entre o prefeito Eduardo Paes e as empresas de ônibus em 2012. Naquela época, a promessa era de que as empresas aumentassem em média 25% ao ano o número de ‘geladões’. Entretanto, após o cancelamento do reajuste das passagens, a meta teve de ser reavaliada.
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Nesta quarta, enquanto a equipe do DIA esteve na Avenida Presidente Vargas, 35 linhas com destino às zonas Oeste e Norte estavam sem ar. Apenas um veículo da linha 331 (Praça Seca- Castelo) tinha refrigeração. Na Avenida Rio Branco, o cenário foi diferente. Das 20 linhas que passaram pela via em uma hora, quatro estavam com ar.
Em meio aos milhares de quentões da cidade, quem lucra com o calor são os vendedores de água. Ontem, na Presidente Vargas, a ambulante Glauce dos Santos comemorava. “Fico no ponto de ônibus porque acabo faturando, mas sinto pena dos passageiros.”
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No terminal do Cosme Velho, todos os carros para a Zona Norte são quentões
O terminal rodoviário do Cosme Velho é uma evidência das distintas realidades sociais das regiões do Rio. Por lá, cinco linhas de ônibus estão disponíveis — duas delas do consórcio InterSul e três do InterNorte. Enquanto a frota de 26 veículos que rodam perto do litoral conta com 19 carros com ar-condicionado, os carros da Zona Norte são em sua totalidade “quentões”.
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Funcionário da empresa São Silvestre há 24 anos, Carlos Roberto é despachante da linha 584, que tem 13 carros, sendo nove deles com ar-condicionado. Morador da Pavuna, ele pega sempre o “quentão” para chegar ao trabalho. “Não dá para negar, existe mesmo uma diferença de tratamento e de serviço. Eu acho que todos deveriam ter ar”, defendeu. Outra linha da mesma empresa, a 583, conta também com 13 carros, 10 deles refrigerados.
A cerca de 50 metros do ponto para a Zona Sul, ficam três linhas do Consórcio InterNorte: 498, 497 e 422. E lá o calor parece já fazer parte da rotina: 100% dos veículos não têm refrigeração. “Até eu que tenho alergia a ar-condicionado sinto falta. É muito quente. O prefeito devia dar o mesmo tratamento para todos”, concluiu.