Ginecologista acusado de marcar aborto em clínica pública é afastado do trabalho
Gravações telefônicas flagraram conversa entre o médico e uma gestante dentro da unidade no Catete
Por thiago.antunes
Rio - O ginecologista Eurico Surerus, acusado de agendar pelo menos cinco abortos no Centro Municipal de Saúde Manoel José Ferreira, no Catete, foi afastado do trabalho. A decisão foi tomada pela Secretaria Municipal de Saúde após reportagem publicada pelo DIA na edição de 8 de janeiro, que revelou a investigação do esquema dentro do espaço público.
Investigado pelos crimes de formação e quadrilha e aborto, o médico agora também responde a um inquérito administrativo. Em uma ligação telefônica gravada com autorização da Justiça, ele ligou para José Luiz Gonçalves, o chefão da quadrilha, quando estava no consultório com uma mulher interessada em interromper a gravidez.
No diálogo, registrado às 13h59 de 10 de dezembro, sugeriu que a mulher conseguisse dinheiro para pagar o aborto com “o pessoal do movimento”, numa possível referência a traficantes na área onde ela mora. Nas últimas duas semanas, a 19ª DP (Tijuca) ouviu cinco mulheres que confirmaram o agendamento de abortos na clínica pública. Segundo elas, o ginecologista recebia R$ 500 esó para intermediar o contato com a quadrilha.
“Descobri que estava grávida e consegui o telefone do doutor Eurico com uma amiga. Aí, ele me indicou o Gonçalves. Foi muito rápido e ele agiu com tranquilidade. Como se estivesse acostumado a fazer aquilo”, contou.
Confissão
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Na sexta-feira, Surerus foi à delegacia. Ele confessou à polícia que fazia indicações para abortos. Mas só por caridade. Confirmou, também, que conhecia Gonçalves, apenas por telefone.
Mas o médico contou outra versão à reportagem. “Eu nunca fiz aborto. E não recebi nada”, disse. O ginecologista Bruno Gomes, acusado de fazer os abortos mais delicados, também foi à delegacia na sexta-feira. Mas não quis prestar depoimento.
Ele é apontado pela polícia como o indicado em casos mais delicados, para mulheres com mais de 12 semanas de gestação. Mas as intervenções, através de microcesáreas, eram feitas em grávidas com até 21 semanas _ o equivalente a cinco meses de gravidez.
A polícia, agora, trabalha para identificar outros integrantes da quadrilha, como seguranças, motoristas e médicos. “Tudo o que foi apurado inicialmente está sendo confirmado pela investigação”, disse o delegado Roberto Gomes, da 19ª DP, que investiga a ação da quadrilha há quase dois anos.
Apontado como a maior rede de aborto do Rio, o bando age há pelo menos 30 anos e é responsável por abortos em mulheres de São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo e Maranhão. Segundo a polícia, os criminosos movimentavam cerca de R$ 500 mil por mês.
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Oito pessoas identificadas
Além de Gonçalves e dos ginecologistas Eurico Surerus e Bruno Gomes, a polícia identificou outros cinco possíveis integrantes da quadrilha, que foram presos temporariamente no dia 13 de dezembro do ano passado, quando a 19ª DP desarticulou o bando. Cinco dias depois, os integrantes do esquema foram soltos pela Justiça para que a polícia continuasse com as investigações.
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Maria José Barcellos Cândido, Nilda de Souza Pontes e Myriam Hahamovici são apontadas como as agenciadoras. Segundo a polícia, elas são as responsáveis pelas indicações de gestantes. Os médicos Ivo Tannuri Filho e Guilherme Estrela também foram identificados.
A investigação apontou que a quadrilha possuía uma tabela de preços por aborto, delimitada pelo tempo de destação. Mulheres com até nove semanas de gravidez, por exemplo, pagariam R$ 3,5 mil. O valor subia para R$ 4,5 mil para grávidas com 12 semanas. Gestantes com até 21 semanas poderiam pagar R$ 8 mil por microcesária, quando o médico retira o feto através de cirurgia.
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O grupo chegava a fazer atendimentos a domicílio. Um dos médicos tinha todos os equipamentos médicos com ele, chamados de ‘kit-aborto’, conforme a investigação. A polícia apreendeu uma maca portátil, apoios de perna metálicos, caixas de medicamentos e três blocos de receituários com o ginecologista, em dezembro.