Rio - Quando o soldado Marcelo Gilliard da Silva Miranda, de 32 anos, entrou no contêiner da UPP do Parque Proletário para beber um copo d’água, no domingo, começaram os tiros vindos de traficantes da favela. A reação dele foi se atirar no chão, para se proteger, enquanto os outros dois colegas que estavam no lado de fora revidavam os disparos. Mas não deu tempo.
Atingido na perna esquerda por um tiro de fuzil, Gilliard rasgou a calça, improvisou um torniquete para estancar o sangramento e pediu a Deus para não morrer. “Não sabia a gravidade do ferimento. Fiquei desesperado. Pensei que ia morrer ali mesmo. Pedi a Deus para não levar um tiro na cabeça”, relembra o soldado, internado no Hospital Central da Polícia Militar (HCPM), no Estácio, ainda sem previsão de alta.
De acordo com os policiais, o tiroteio durou cerca de cinco minutos. Mas o som dos disparos ainda assombra Gilliard, que passou a madrugada de ontem acordado. Mesmo no leito hospitalar, ele tinha medo de ser novamente atingido por tiros. “Escutava um barulho na rua. Podia ser só o vento. Mas eu já achava que era tiro”, conta.
Depois de socorrido, o policial militar foi levado pelos colegas ao Hospital Getúlio Vargas. “Tomei muito soro. Estava pálido, porque perdi muito sangue.” Em seguida, ele foi transferido para o HCPM, onde foi submetido a uma cirurgia, anteontem à noite. Hoje, ele deve voltar ao centro cirúrgico, para retirada de estilhaços.
Segundo familiares, o tiro quase atingiu a veia femoral, o que poderia ser fatal. Internado num quarto no quinto andar do HCPM, Gilliard conta com o apoio da família para se recuperar. Na UPP do Parque Proletário há dez meses, ele ainda não sabe ao certo qual será o seu futuro na PM. “Aquele morro (Parque Proletário) é uma bomba-relógio”, afirma Gilliard. “Por nós, ele não voltava mais para a Polícia Militar”, interrompe a mãe, a dona de casa Sônia Miranda.
Reação para sufocar o tráfico
Os seguidos atentados cometidos por traficantes do Comando Vermelho em áreas com Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), nas últimas semanas, provocou a reação da Segurança Pública estadual, que marcou presença ontem em 12 regiões com atuação da facção criminosa. Entre elas, o Parque Proletário, no Complexo da Penha, onde a soldado Alda Rafael Castilho, de 22 anos, foi assassinada domingo, perto de contêiner da UPP, que ficou com 28 marcas de tiros.
Dois moradores e o soldado Marcelo Gilliard ficaram feridos. Ao tomar posse ontem, o novo chefe de Polícia Civil, delegado Fernando Veloso, afirmou que já identificou os criminosos responsáveis pelo ataque, no entanto, não revelou quem são. O secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, afirmou que a ordem partiu dos presídios. Ontem, Alda foi enterrada no Jardim da Saudade, em Sulacap, com honras militares.
“Foi uma covardia. Mataram pelas costas uma policial universitária. Essa morte não foi somente dela. A sociedade foi atingida pelas costas, porque a sociedade quer o projeto e paga por ele”, declarou Beltrame.
A ação das polícias foi planejada horas após o ataque à UPP do Parque Proletário. Representantes dos setores de Inteligência e de Operações das polícias Civil e Militar foram convocados de emergência por Beltrame. Além da capital, a operação aconteceu na Baixada e em Niterói. “Vamos atuar todos os dias, a qualquer hora e por tempo indeterminado, principalmente no Parque Proletário, Vila Cruzeiro, Complexo do Alemão e Rocinha”, adiantou Veloso.
Comandante nega crise
Apesar dos constantes ataques, o comandante da PM, coronel Luís Castro, garantiu que não há crise nas UPPs. Ele classificou os últimos episódios como casos pontuais. “As UPPs não estão sob ataque. Se tivermos problemas, vamos atuar. Não vamos recuar”, declarou ele.
Nas operações de ontem, nove pessoas acabaram presas, um adolescente, apreendido, e um suspeito morreu. Foram apreendidas armas, entre elas três fuzis, e drogas. A PM afirmou que as ações serão por tempo indeterminado.
Ontem, o clima no Parque Proletário era de tensão. Parte do comércio fechou com medo de represálias. Policiais reclamaram da falta de proteção. Gilliard foi ferido dentro do contêiner. “Continuo apenas com uma pistola. Deveria haver reforço de armas”, opinou um PM, que preferiu não se identificar. “Penso em abandonar a carreira por conta dos ataques. Meus familiares não merecem sofrer o que os da Alda estão vivendo”.
A moradora Elaine Marques Ribeiro, baleada na cabeça, segue no Hospital Getúlio Vargas, em estado grave. Antônio Marcos Travesso, atendido na mesma unidade, já teve alta. Indagado sobre as críticas dos subordinados, o subcoordenador das UPPs, coronel Cláudio Luna Freire, disse que a blindagem de contêineres seria uma contradição à política da UPP, mas admitiu que pode encaminhar à Secretaria de Segurança o pedido.
Novo chefe vai mudar delegacias
Fernando Veloso tomou posse na presença de mais de 400 delegados, agentes e diretores de departamentos da Polícia Civil. A solenidade ocorreu na Cidade da Polícia, no Jacarezinho. Ao discursar, Martha Rocha, em clima de campanha — ela vai se dedicar à política — destacou seus feitos. “Foram três anos de angústias e glórias, que me permitem novos desafios”, disse.
Veloso adiantou que fará mudanças significativas em delegacias, inclusive as do interior do estado e Região dos Lagos. “Nossa meta é unificar o processo de pacificação. E que venha a Copa do Mundo e eleições, pois temos know-how para grandes eventos”, garantiu.
Na nova equipe já estão a delegada Elizabeth Cayres, ex-presidente da Comissão de Controle e Fiscalização de Contratos, e que agora é subchefe administrativa; o delegado Fernando Albuquerque, que sai da Delegacia de Defraudações para ocupar o cargo de subchefe operacional; o delegado Rodrigo Oliveira, que assume a Coordenadoria de Recursos Especiais (Core); Ricardo Domingues, que chefiará o Departamento Geral de Polícia da Baixada; José Pedro, que sai da 21ª DP (Bonsucesso) para ficar à frente do Departamento de Polícia da Capital, e André Drumond, nomeado para a Diretoria de Polícia Especializada.
Vítima queria mudar trajeto
‘Não me abandona, pelo amor de Deus. Não me deixa aqui’. Essas foram as últimas palavras de Alda, segundo o PM que ajudou a socorrê-la. “Consegui levá-la para trás do contêiner, mas eles continuaram atirando nela”, lembrou o policial, que pediu para não se identificar.
O ataque ocorreu quando ele, Alda e outra PM voltavam do almoço em uma padaria. Os bandidos chegaram em dois carros. Ao olhar para trás, o PM viu Alda caída com um tiro nas costas. “Só ouvi uma voz: ‘Vai morrer, polícia!’ Foram momentos de terror. Parecia que ela estava pressentindo. Antes do almoço, ela disse que queria voltar por outro caminho”, contou.
Alda fazia Psicologia e estava noiva. Agentes da DH vão analisar imagens de câmeras e panfletaram na área, pedindo a moradores que ajudem com informações que identifiquem os criminosos.