Rio - Dois meses após aprovado o orçamento de 2014, o DIA apurou que a prefeitura decidiu cortar R$ 216 milhões das verbas da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), cerca de 5% do total do orçamento da pasta, de R$ 4,347 bilhões. A redução atingiu quase todos os programas, mas teve impacto maior no Saúde Presente: R$ 141,5 milhões. Responsável por ações da rede de atendimento básico, o setor engloba o projeto de construção, ampliação e reforma das Clínicas da Família, que ficou sem R$ 79 milhões.
O corte foi publicado no Diário Oficial esta semana e fez parte de uma mudança no orçamento da prefeitura para a criação de um crédito suplementar de R$ 581 milhões. Desse total, 37% eram da Saúde, a mais atingida.
Levantamento de João de Oliveira, assessor do vereador Paulo Pinheiro (Psol), aponta cortes também nos quatro grandes hospitais municipais (Souza Aguiar, Lourenço Jorge, Salgado Filho e Miguel Couto). Eles perderam, em média, R$ 2,6 milhões. O mais afetado foi o Souza Aguiar: R$ 2,87 milhões. No orçamento de 2014, eles haviam perdido, em média, R$ 9,38 milhões.
“O planejamento estava errado? Porque a inflação foi 5,91%. Houve aumento de 6% nos salários. Então, quer dizer, os insumos básicos não vão custar mais ? Os contratos de limpeza e manutenção não vão ficar mais caros? Ou as empresas são filantrópicas?”, questiona o vereador, da Comissão de Saúde.
Ao mesmo tempo, também na última semana, o Conselho Regional de Medicina do Rio divulgou imagens dramáticas feitas por profissionais do Salgado Filho. Um paciente aparece entubado sobre um balcão. Já no Souza Aguiar, o CTI Pediátrico foi fechado para obras. Mas, com seis leitos, continua equipado e preparado para atendimentos. Os profissionais dizem que há falta de médicos no setor.
O Cremerj denunciou a situação dos hospitais ao Ministério Público. “A maior carência é de profissionais. O corte vai piorar a situação quando os recursos eram ainda mais necessários. As unidades básicas evitam que as emergências fiquem lotadas. Desse jeito, as pessoas vão seguir sobrecarregando os hospitais”, observa Sidnei Ferreira, presidente do Cremerj.
De 2013 para 2014, redução chega a R$ 456 milhões
O corte nas verbas da Secretaria de Saúde está ocorrendo desde o ano passado. De 2013 para 2014, houve redução de R$ 456 milhões no orçamento da secretaria. No ano passado, foram previstos R$ 4,58 bilhões, mas a prefeitura gastou apenas R$ 3,96 bilhões. Para este ano, o orçamento ficou em R$ 4,13 bilhões.
Nos últimos dois orçamentos, os quatro grandes hospitais também perderam, em média, R$ 9,38 milhões. E a situação difícil dos hospitais pode piorar em 2014. Os programas de Atenção Hospitalar e Reestruturação do Atendimento de Urgência e Emergência perderam, juntos, no corte desta semana outros R$ 43,35 milhões.
Na ponta, quem precisa de atendimento sofre. Na emergência do Salgado Filho, o cenário era desolador na quinta-feira, quando a reportagem esteve na recepção do hospital. O mau cheiro predominava no ambiente. O funcionário público Adonias Machado, 49 anos, esperava, preocupado, por notícias da sogra. Aos 87 anos, a idosa sofre de mal de Alzheimer em estágio avançado e tem dificuldades para se alimentar.
Machado contou que ela já aguardava há dois dias por uma cirurgia para a colocação de uma sonda. “Os médicos dizem que não há previsão de quando será possível fazer a cirurgia. Ela vai morrer se não puder se alimentar pela sonda”, afirmou o funcionário.
Prefeitura alega que verbas estão retidas
Procurada para esclarecer as mudanças no orçamento da Secretaria de Saúde, a prefeitura informa que todos os programas estão mantidos. Segundo nota enviada pelo gabinete do prefeito Eduardo Paes, os recursos para novas Clínicas da Família não foram cortados, mas retidos e serão liberados conforme o cronograma dos projetos. Estão previstas nove unidades para 2014.
A prefeitura informou ainda que destinou para a Saúde R$ 170 milhões acima dos gastos de 2013. “Depois de um período de expansão tão grande, esses dois primeiros anos seriam no sentido de afinar a rede a consumir recursos de maneira mais eficiente”, explicou o secretário municipal de Saúde, Hans Dohmann.
A secretaria informou que o Salgado Filho sofre sobrecarga por causa da greve dos hospitais federais, mas será o próximo a receber as melhorias. A Secretaria Municipal de Fazenda explicou que o crédito de R$ 581 milhões funciona como “reserva de contingência”, não direcionada a nenhum órgão diretamente, mas que possibilitará a liberação na medida da entrada de receitas e das necessidades.