Rio - Policiais dos batalhões de Choque (BPChq) e de Operações Especiais (Bope), com o apoio de 150 PMs de outras UPPs, como a dos Macacos, Cidade de Deus e Complexo do Alemão, vão reforçar o policiamento na Rocinha por tempo indeterminado. A decisão foi tomada neste domingo após novo confronto entre traficantes, durante a madrugada, na localidade conhecida como Valão, que levou pânico aos moradores.
A ousadia dos criminosos, que atiraram durante operação policial, feriu o próprio comandante das UPPs, Frederico Caldas, e a major Pricilla Azevedo, que comanda as unidades da Rocinha. Motoristas também viveram momentos de terror. Bandidos mandaram moradores atearem fogo em pneus e lixo na Autoestrada Lagoa-Barra, interditando o túnel Zuzu Angel nos dois sentidos. Motoristas voltavam pela contramão. A via só foi reaberta às 7h10.
Segundo PMs o tiroteio começou às 3h30 durante pagode num bar da Rua do Valão. Há duas versões: a de que houve briga entre bandidos da mesma facção. A outra é de que se trata de guerra entre rivais pelo controle do tráfico. Dois suspeitos, Ronald do Patrocínio, o Petróleo, 33, e Hélio da Silva Facundo, o Siri, 20 anos, foram baleados.
Policiais da UPP reagiram e trocaram tiros com traficantes. Para socorrê-los, bandidos atiraram em transformadores, deixando várias ruas sem energia. Feridos foram levados à UPA por bandidos, que interditaram a ‘Curva do S’ para impedir a subida de PMs. De lá, foram para o Hospital Miguel Couto. No fim da manhã, novo tiroteio voltou a assustar. Segundo moradores, durante operação policial, o coronel Frederico e a major Pricilla, teriam sido atingidos por estilhaços de balas. Ele na cabeça e ela, num dos pulsos.
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A PM negou e disse que eles se machucaram ao cair, tentando se abrigar dos tiros. O coronel Caldas foi levado para o Hospital Central da PM, onde foi medicado e liberado no fim da tarde.
Câmeras da UPP local flagraram a ação de 15 bandidos encapuzados e armados com fuzis AK-47 na localidade da Roupa Suja e outros dez bandidos na parte alta da comunidade.
Criminosos atacaram viatura da PM e lançaram granada na base da UPP na Rua Dois. Um táxi foi metralhado no Caminho do Boiadeiro e um homem, preso com pistola. “É um milagre estar vivo”, desabafou um PM ao lado da viatura toda alvejada. Durante o dia, o comércio ficou aberto, mas o clima era de muito medo. “Foi um terror. Parecia guerra”, contou o empreiteiro de obras, Raul Samir, 51 anos.
Em nota, o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, disse que o Estado não vai recuar diante da tentativa de grupos criminosos voltarem aos locais que dominaram por décadas. Moradores se queixam de frequentes tiroteios a qualquer hora. A guerra limita o dia a dia das pessoas, que temem até levar crianças para a escola.
Comerciantes ficam 14 horas sem energia elétrica e amargam prejuízo
Com mais de 14 horas sem energia elétrica comerciantes da Rocinha amargaram um enorme prejuízo. “Em um domingo de calor, em menos de duas horas, vendo duas caixas de cerveja. Sem energia elétrica, não vendi nem 15 garrafas. Em compensação, aumentaram as vendas de cachaça. Mas ainda estou tendo um prejuízo enorme”, disse o comerciante Luís Fernandes, que tem um bar na Rua Servidor Leste.
A Light informou que alguns pontos da Rocinha ficaram sem luz até as 9h. Técnicos não entraram por medidas de segurança. Apenas por volta de 9h30, funcionários conseguiram fazer os reparos. O Mercadinho Imperial, na Rua Servidor Leste, foi atingido por quatro disparos e só funcionou porque tinha gerador. “O vidro do freezer foi completamente destruído. Felizmente, o mercado estava fechado na hora do tiroteio”, disse um empregado.
Duas versões para mesmo ferimento
A causa dos ferimentos no comandante das UPPs, Frederico Caldas, causou divergência entre relatos dos moradores, PMs que participaram da operação e a versão oficial da Polícia Militar. Inicialmente a Coordenadoria das UPPs, informou que por volta das 11h, durante incursão na localidade conhecida como Macega, Caldas teria se ferido no braço e na cabeça ao cair, quando tentava se abrigar dos tiros. A major Pricilla, que acompanhava a operação, também teria caído e machucado o pulso.
À tarde, a assessoria da PM divulgou uma segunda nota afirmando que os comandantes sofreram queda e tiveram escoriações leves, sem mencionar o tiroteio. Já na versão de moradores e policiais, os ferimentos foram causados por estilhaços de balas.
Túnel Zuzu Angel era alvo constante
Na época em que os chefões do tráfico davam as cartas na Rocinha, o túnel Zuzu Angel era constantemente fechado. Em outubro de 2005, um confronto entre policiais e bandidos, que culminou na morte de Erismar Rodrigues, o Bem-Te-Vi, deixou o túnel interditado por mais de duas horas.
Em dezembro de 2008, uma mega operação da Polícia Civil com objetivo de prender o traficante Antônio Bonfim Lopes, o Nem, também resultou no fechamento do Zuzu Angel por horas. Em outubro do ano passado, um assalto no túnel provocou sua interdição por 15 minutos.
UPP ficou fraca após Amarildo
Para o antropólogo e especialista em Segurança Pública, Paulo Storani, o confronto entre policiais e bandidos na Rocinha já era esperado. “A presença da polícia preventiva não é suficiente para diminuir ou acabar com o tráfico. Embora a comunidade tenha recebido uma delegacia, falta a atuação conjunta entre as policiais civil e militar”, opina.
Para Storani, a UPP da Rocinha se enfraqueceu desde o sumiço do pedreiro Amarildo. “O envolvimento de policiais no caso acabou com a credibilidade do projeto. O que aconteceu hoje (ontem) foi uma demonstração de força dos criminosos. Enquanto o poder público não intervir com ações sociais e investigação, a Rocinha continuará com estes episódios”.