Por thiago.antunes

Rio - ‘Atira na cabeça dele”. A sentença de execução foi dada friamente por um dos dois bandidos que assaltaram um ônibus da Viação Nossa Senhora do Amparo, na noite de segunda-feira. Sessenta passageiros, sob a mira de armas e em pânico, foram obrigados a assistir o segundo ladrão apontar a pistola para a cabeça do subtenente reformado da PM Jorge Magalhães, 63 anos, e apertar o gatilho, sem piedade.

O assalto teve início assim que o ônibus da linha Castelo-Maricá entrou na Ponte Rio-Niterói. Um passageiro reconheceu os ladrões quando eles embarcaram na Rodoviária Novo Rio, desceu imediatamente e avisou ao fiscal da empresa. Um funcionário da viação contou que custou muito a falar com a Polícia Militar e com a CCR, concessionária da Ponte, para comunicar o ataque ao coletivo.

O ônibus da Viação Nossa Senhora do Amparo%2C em frente à 22ª DP%2C na Penha%2C após a fuga dos bandidosOsvaldo Praddo / Agência O Dia

O veículo seguia para Maricá, e os bandidos obrigaram o motorista a fazer o retorno no fim da Ponte e seguir para a Avenida Brasil. Avisada, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) montou operação no pedágio, mas o ônibus já tinha passado por ali. A polícia já dispõe das imagens do assalto e está tentando identificar os ladrões, que já teriam praticado outros roubos na mesma linha — um deles seria menor de idade. O outro usava uma muleta e fingia-se de deficiente físico.

O ônibus saiu do Castelo, no Centro, por volta das 18h30, com destino a Itaipuaçu, distrito de Maricá. Os bandidos anunciaram o assalto assim que o veículo passou pelo posto da PRF na entrada da Ponte Rio-Niterói. Segundo um passageiro que preferiu não se identificar, um dos bandidos rendia o motorista ,enquanto o outro recolhia pertences das vítimas. Eles se tratavam por Patinho e Azulão e estavam armados com revólver e pistola.

Bandido com pistola na mão rende passageirosReprodução

O PM reformado estava sentado no banco atrás do motorista e atirou num dos bandidos, mas a arma falhou. Ele e o ladrão entraram em luta corporal, e o segundo assaltante veio em auxílio do colega, desferindo violentos golpes com a muleta e a coronha da pistola no rosto e na cabeça do PM, que ficou completamente ensanguentado. Passageiros gritavam, choravam, passavam mal e tentavam se proteger de tiros se arriando entre os bancos.

Pouco depois de passar pelo pedágio, os assaltantes ordenaram que o motorista retornasse e seguisse para a Avenida Brasil. Na altura de Benfica, um dos bandidos deu a ordem para que o outro atirasse especificamente na cabeça do policial. 

Os ladrões desceram em frente à Favela da Kelson’s, na Penha, levando a pistola do policial e os pertences dos passageiros. O PM foi operado no Hospital Getúlio Vargas e seu estado é grave. A 22ª DP (Penha) registrou a ocorrência.

Vídeo gravado no ônibus mostra momentos de desespero em que os bandidos rendem passageirosReprodução

Passageiro desceu e avisou ao fiscal

Um passageiro reconheceu os bandidos assim que eles embarcaram no ônibus. Ele desceu no ponto seguinte e informou a situação ao fiscal da viação. Este telefonou para a empresa e o funcionário que atendeu a ligação tentou imediatamente acionar a PM pelo número de emergência 190 e a CCR Ponte, enquanto monitorava o trajeto do ônibus pelo GPS. Um despachante contou a uma das vítimas do assalto que esse funcionário só conseguiu avisar o caso à polícia muito tempo depois.

Pelo menos uma hora se passou entre o embarque dos bandidos e a fuga deles. Os criminosos entraram no ônibus entre 19h20 e 19h25. Às 20h23, uma das vítimas telefonou para a mulher e contou sobre o assalto. Ele tinha acabado de chegar ao posto da PM na entrada da Rodovia Washington Luís.

Supervisora administrativa da empresa de viação, Bárbara Caetano confirmou as informações, mas não soube dizer exatamente quanto tempo o funcionário gastou até finalmente conseguir avisar a PM e a CCR Ponte. “Sei que as primeiras tentativas foram inúteis”, disse a supervisora.

Clique no infográfico para ver maiorArte%3A O Dia

A empresa foi avisada do assalto às 19h27, por telefone, mas só conseguiu falar com a CCR Ponte às 20h02. A PM disse que recebeu três informes: dois às 19h49 e um às 19h51, e que imediatamente acionou uma viatura. A CCR recebeu a informação sobre o assalto por outro canal. Uma das vítimas passou SMS para o irmão, que telefonou para a ouvidoria da concessionária. Às 19h48, a CCR comunicou o assalto à PRF, que fechou a Praça do Pedágio.

Ação durou de 19h20 às 20h20

No total, os ladrões ficaram cerca de uma hora rodando com o ônibus. Os bandidos embarcaram entre 19h20 e 19h25 na altura da Rodoviária Novo Rio. O fiscal da empresa foi avisado às 19h25. Dois minutos depois, comunicou à viação. O assalto foi anunciado pouco depois das 19h30. Às 20h15 seguiram para a Avenida Brasil. Por volta de 20h20, a dupla desceu do ônibus na Penha.

Crueldade, pavor e alta tensão

As cenas poderiam ser de um filme de ação, desses tantos que se vê diariamente na TV, mas era a vida real deixando sua marca em 60 pessoas que apenas desejavam ir para casa depois de um dia exaustivo de trabalho. “Foi horrível ver o bandido atirar na cabeça do policial, sem que a gente pudesse fazer nada para ajudá-lo. Nunca mais esquecerei aquela cena”, choca-se o designer B., 31 anos, um dos passageiros da agonia.

O rapaz conta que assim que passou o posto da Polícia Rodoviária Federal na Ponte Rio-Niterói os bandidos anunciaram o assalto. “Mandaram que fechássemos as cortinas e começaram a nos aterrorizar. A todo momento diziam que iriam nos matar. Depois que o policial reagiu e a arma falhou, o pânico foi maior ainda. No meio da briga, o policial conseguiu dar um tiro, mas a bala pegou na porta do ônibus”, relatou.

Entre os passageiros havia uma mulher grávida, com seis meses de gestação. “Ela chorava, dizia que estava passando mal. Os ladrões mandaram que o motorista fizesse o retorno no fim da Ponte para voltar ao Rio, mas ele não sabia o caminho. A mulher grávida foi quem acabou ajudando, mostrando como ele deveria fazer”, relembra B.

Segundo o designer, pessoas choravam e entravam em histeria. Já na Avenida Brasil, na altura de Benfica, o tiro no policial. “Ele caiu de lado, agonizando. Todos gritavam, atônitos, incrédulos. Os assaltantes desceram na altura da Favela da Kelson's. Em frente ao Mercado São Sebastião vimos uma patrulha da PM e paramos o ônibus. Eles nos mandaram ir para um posto da PM na entrada da Rodovia Washington Luís”, disse B.

Imagens são entregues, mas os assaltos continuam

Bárbara Caetano, supervisora administrativa da Viação Nossa Senhora do Amparo, contou que os ataques e assaltos a ônibus da linha Castelo-Maricá recrudesceram a partir do início do ano, e que esse foi o quinto assalto em menos de um mês. “Todas as vezes entregamos à Polícia Civil as imagens registradas pela câmera instalada no interior do veículo. O ideal é que a polícia aja, identificando e prendendo os bandidos”, afirmou a supervisora da empresa.

Ontem mesmo a viação entregou as imagens do último roubo à 22ª Delegacia Policial (Penha), responsável pelas investigações. Bárbara relatou ainda que em dois dos cinco assaltos os bandidos ordenaram que o motorista seguisse para a Avenida Brasil.

“Nossa maior preocupação é com motorista e passageiros. Esse foi o primeiro assalto em que levaram o carro até Niterói e obrigaram o motorista a voltar para o Rio de Janeiro. Os outros três ataques foram no trajeto para Maricá e os ladrões desceram no caminho”, disse a funcionária da Viação Nossa Senhora do Amparo.

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