Por daniela.lima

Rio - A morte de mais um policial em comunidade pacificada na última quinta-feira evidencia o que moradores dessas áreas têm visto há alguns meses: o tráfico voltou a ocupar com armas alguns locais, na tentativa de mostrar seu poder. Comunidades como os complexos do Alemão — onde o soldado da PM Rodrigo Paes Leme, de 33 anos, morreu —, da Penha, Rocinha e Mangueira têm sofrido na pele com as investidas de traficantes que não escondem mais sua força bélica. Segundo testemunhas, há quadrilhas fortemente armadas que controlam a circulação de moradores e até de policiais. 

Após morte de policial militar em serviço%2C houve reforço de outras unidades no patrulhamento no Complexo do Alemão%2C na sexta-feiraJosé Pedro Monteiro / Agência O Dia


Na Rocinha, policiais contaram que integrantes da facção criminosa Amigos dos Amigos (ADA) já retomaram pelo menos seis localidades: Valão, Campinho da Cachopa, Macega, Roupa Suja, Rua 2 e 199. “Qualquer guarnição que entre nesses locais é atacada. Na Rua 2, nenhuma vai, pois há traficantes fortemente armados”, disse um soldado, que pediu para não ser identificado.

Em um período de dois meses, 11 policiais foram baleados durante ataques em comunidades consideradas pacificadas, sendo que três deles morreram num intervalo de um mês. Algumas das vítimas foram atingidas ao entrar em áreas onde, apesar da UPP, o tráfico voltou a dominar, principalmente nos becos do Alemão e da Rocinha. 

Atingido no peito por bandidos que o surpreenderam na Rua 2, Paes Leme quase não conseguiu sair do Alemão, já que traficantes tentaram impedir que outros PMs prestassem socorro. “O morro está tomado de bandidos. Todo dia tem troca de tiros”, contou um policial da equipe de Paes Leme.

“Ele falava pra mim: ‘Os bandidos estão lá dentro da área de UPP’. O governo tem que dar mais segurança. Do contrário, ainda vão morrer muitos policiais”, lamentou Maria José Rangel, 69, avó do soldado morto.

Em fevereiro, O DIA mostrou que uma reunião de 30 traficantes no Complexo do Alemão, liderada por um dos criminosos mais procurados do Rio, Luciano Martiniano da Silva, o Pezão, decidiu os detalhes do ataque a policiais do Parque Proletário, na Penha, que tirou a vida da soldado Alda Castilhos.

‘Ações não vão ficar sem resposta’

O comandante da Coordenadoria de Polícia Pacificadora (CPP), coronel Frederico Caldas, não admite a ocupação do tráfico nas áreas, mas afirma que medidas estão sendo tomadas para melhorar a eficácia das ações policiais nas comunidades ‘em fase de pacificação’, como ele classifica a Rocinha e o Complexo do Alemão.

Algumas das providências são a implantação de carga horária maior para treino de tiro e abordagem, e o aumento da quantidade de policiais nas equipes de patrulhamento.

“O Alemão e a Rocinha sempre foram os maiores desafios no processo de pacificação. Essas ações (do tráfico) não vão ficar sem resposta. Mas vamos ter cuidado para não transformar os locais em cenários de guerra”, afirmou Frederico Caldas.

O mesmo número de mortes em um mês (três) foi registrado ao longo de 2013, quando houve 26 casos de PMs feridos a tiros — a maior incidência em áreas de UPPs nestas mesmas comunidades. Segundo o comandante, 11 policiais morreram em serviço, em áreas de UPP, desde 2008. 

Comerciantes pagam taxa para usar máquinas de música na Mangueira

Na Mangueira, traficantes interferem até na diversão das pessoas. Segundo moradores e comerciantes, os criminosos proibiram que as máquinas de música (Juke Box) de bares e outros estabelecimentos sejam ligadas, caso os proprietários não paguem taxa à quadrilha pela utilização.

“Chegaram aqui e disseram que, para usar agora, tem que pagar. E quem não fizer, vai se entender com eles. Uma das coisas que chamam clientes para o bar é a música, a alegria, enquanto as pessoas estão bebendo e conversando. Nem se divertir a gente pode”, reclamou o dono de um bar na parte baixa da comunidade, que pediu para não ser identificado.

Ainda de acordo com moradores, a ordem de cobrar o pagamento dos comerciantes partiu do ex-chefão Alexander Mendes da Silva, o Polegar. Mesmo preso desde 2011, quando foi localizado por agentes da Polícia Federal no Paraguai, o traficante continua a controlar as ações de seus comparsas na favela.

O comando da UPP Mangueira disse desconhecer a denúncia. O major Márcio Rodrigues informou que é preciso que moradores denunciem para o início de uma investigação. A nota diz ainda que PMs serão orientados a observar se as máquinas estão desligadas. 

Pezão controla conjunto de favelas de Niterói

Aproximadamente 27 quilômetros de seu antigo ‘quartel general’, o traficante Luciano Martiniano da Silva, o Pezão, transformou o conjunto de favelas do Caramujo, em Niterói, numa ‘sucursal’ do Complexo do Alemão, na Penha. Apesar do controle da venda de drogas permanecer com bandidos locais, cabe a ele a coordenação e as principais decisões. Aos poucos, as favelas receberam soldados do Rio e armamentos de territórios pacificados, além de técnicas e costumes cariocas.

Moradores, policiais e informações repassadas ao Disque-Denúncia confirmam que o bandido, um dos líderes do Comando Vermelho, e outros ‘famosos’ comparsas, escolheram o ‘mar de morros’ niteroiense como nova sede para expandir os negócios da quadrilha, sufocada pela implantação da UPP no Complexo do Alemão.

Pezão é visto com frequência, na maioria das vezes à noite, e cercado de seguranças. A casa oficial ainda é desconhecida, já que sua circulação é sempre cautelosa.

“Ele não ‘boia’ (dá bobeira). Ninguém realmente sabe onde ele dorme, mas sabemos que se não for aqui, não é muito longe. Ele aparece do nada, sempre com cinco, seis homens fortemente armados, de preto. Nessas horas, os ‘crias’ (bandidos locais) saem de cena”, conta uma moradora, que prefere não se identificar com medo.

“Temos a informação de que existem traficantes do complexo entrincheirados lá e há a suspeita de que sejam os ‘cabeças’”, informou o delegado da Divisão de Homicídios de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí, Wellington Vieira.

Somente em janeiro, foram 69 informações repassadas ao Disque-Denúnca sobre a quadrilha no local. Vários relatos falam da presença de Pezão. 

Reportagem de Roberta Trindade, Vânia Cunha e Felipe Freire

Você pode gostar