Por thiago.antunes

Rio - No dia do aniversário de Petrópolis, que completa 171 anos hoje, uma notícia que é um presente: o Arquivo Histórico Municipal da cidade vai digitalizar seu acervo de 900 mil documentos, que cobrem o período de 1857 a 1968. São requerimentos, registros de nascimentos e certidões de óbitos, lançamentos de impostos prediais e cadastros de indústrias e profissões, além de coleções de livros, jornais e revistas. A intenção da prefeitura local é que a papelada, que soma 3,6 milhões de folhas, a maior parte manuscrita, e pesa 7,2 toneladas, comece a passar pelo processo ainda no primeiro semestre deste ano.

Documento no Arquivo%3A solicitação do Pai da Aviação para ter um cãoEstefan Radovicz / Agência O Dia

De acordo com a chefe do arquivo, Mariza Gomes, que zela pela integridade física do acervo há 30 anos, a digitalização é uma ferramenta essencial para o acesso e difusão de um dos maiores conteúdos arquivísticos do Brasil: “É uma iniciativa cara, mas fundamental para perpetuar as informações que retratam mais de cem anos de diferentes fases do Brasil antigo”. Segundo ela, o arquivo histórico abriga ainda sete mil plantas e projetos arquitetônicos de casarões da Cidade Imperial.

Em julho do ano passado, a vereadora Gilda Beatriz (PMDB) encaminhou o ofício 96, aprovado pela Câmara local, à prefeitura, pedindo urgência na digitalização e gravação dos documentos. “Há um bom tempo venho alertando o Executivo sobre isso, pois é a garantia de preservar uma história que não diz respeito somente a Petrópolis, mas ao país inteiro. A digitalização restringe o manuseio dos originais e pode salvar aquele tesouro de possíveis e trágicos imprevistos, como incêndio, por exemplo”, justifica Gilda.

O Arquivo Histórico, integrado à Biblioteca Central Gabriela Mistral, sob responsabilidade da Fundação de Cultura e Turismo de Petrópolis, funciona na Praça Visconde de Mauá 305, no centro da cidade serrana, e recebe pelo menos mil visitantes por mês, entre turistas, estudantes, professores e pesquisadores.

Enquanto o acervo não passa para computadores, Mariza faz a higienização do material, com a ajuda do estudante de História Yuri Tesch, de 21 aos, um de seus colaboradores. Para evitar pragas como cupins e brocas, cada folha é limpa com pincéis. “Além da higienização, o manuseio, a armazenagem e o acondicionamento corretos são fundamentais para a conservação”, detalha Mariza, inimiga de grampos, clipes, presilhas metálicas e fitas adesivas. “Causam danos irreversíveis ao papel”, justifica.

Pedidos de Santos Dumont e para corrida de pombos

O Arquivo de Petrópolis abriga exemplares do ‘Jornal do Comércio’ de 1851; uma coletânea do jornal alemão ‘Nachrichten’ (Notícias), editado em Petrópolis em 1911; coleções de revistas como ‘O Cruzeiro’, de 1951, e a ‘A Noite Ilustrada’, de 1933; além de almanaques e gibis.

Mariza cuida do acervo há 30 anos e acha a digitalização fundamentalEstefan Radovicz / Agência O Dia

Há requerimentos inimagináveis feitos por colonos a vereadores antes da instalação da prefeitura. Alguns toscos e ofensivos, e outros engraçados. Havia constantes pedidos de chefes de famílias para mendigar nos finais de semana, para complemento de renda familiar. O capitão Marcolino Rodrigues da Costa Júnior, por exemplo, pediu, em 19 de janeiro de 1900, licença para uma corrida de pombos-correio entre Petrópolis e Rio.

Requerimentos inusitados foram assinados por Alberto Santos Dumont, o Pai da Aviação. No primeiro, de número 276, de 15 de outubro de 1919, ele pedia licença para circular com um Ford no município. Em outro (360), solicitou licença “para ter um cão de nome Bob, de cor amarelada e raça policial”.

Rato treinado e fuga de escravo

Exemplares de jornais revelam curiosidades. Nas páginas de ‘O Parahyba’, o primeiro produzido em Petrópolis, há um convite inusitado, dia 1º de abril de 1858: “Sr. Sanelli, tem a honra de convidar o público para assistir as habilidades de alguns de seus ratos”.

Anúncios de compra, venda e sumiço de escravos foragidos eram comuns. No mesmo jornal, do dia 7 de novembro de 1858, o fazendeiro José Francisco Werneck fez um apelo: “Escravo fugido. Agostinho, bem preto, baixo, com sinais de açoites nas nádegas. Sabe cozinhar, ler, escrever e contar”. “Aluga-se uma senhora para enfermeira, sem escrúpulo algum”, lia-se em outro anúncio, de 1905.

Em ‘O Mercantil’, Helena Neiman, avisou, em 1882: “Faço ciente, que ninguém faça transação de qualquer espécie com meu marido, o Sr. João Neiman, sem consentimento meu. Sob pena de ficar sem efeito”. O ‘Tribuna de Petrópolis’ alertava dia 15 de setembro de 1904: “Começará o serviço de apanhar cães em carroça. Encontrados nas vias públicas serão mortos. Este é mais um excelente serviço que a nossa cidade presta”.

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