Por thiago.antunes

Rio - A juíza Ana Paula Monte Figueiredo Pena Barros decidiu, na tarde desta quinta-feira, pela liberdade provisória dos três PMs flagrados em imagens arrastando o corpo da auxiliar de serviços gerais Cláudia Ferreira, 38 anos, morta com um tiro após operação da Polícia Militar no Morro da Cogonha, em Madureira. O pedido de relaxamento da prisão foi feito pela defesa dos soldados Adir Serrano Machado e Alex Sandro da Silva Alves, mas foi estendido ao primeiro denunciado, o subtenente Rodney Miguel Archanjo.

Em um trecho da decisão, a juíza afirma que não é possível saber se os PMs ignoraram o fato da vítima ter caído da viatura e sido arrastada.

Alex Sandro (à frente)%2C Adir e Rodney (à direita) chegam para depor na 29ª DP%2C ontem à tardeJoão Laet / Agência O Dia

"Assim sendo, por mais forte, chocante e até mesmo revoltante as imagens da senhora Cláudia, já baleada, sendo arrastada pelo asfalto presa ao reboque da viatura, nos termos não é possível inserir que PMs que estavam na viatura conheciam tal circustância e a ignoraram. Ao contrário, o que mostram as imagens é que a viatura parou e dois policiais desceram para a colocarem de volta no carro"

Ainda de acordo com a decisão, a magistrada afirma que a caçamba da viatura não era o melhor local para socorrer uma vítima. "Decerto, o compartimento de presos não é o local para uma vítima de arma de fogo em estado grave. As circustâncias que levaram a polícia a agirem dessa forma serão analisadas pelo conselho de justiça". Os PMs foram afastados do serviço de rua e transferidos do quadro do 9º BPM (Rocha Miranda), para a diretoria geral de pessoal, espécie de geladeira da corporação, onde ficarão até o fim do inquérito.

Pelo WhatsApp do Jornal O DIA (98762 - 8248), um leitor avisou que caso os PMs fossem libertados, moradores da região fariam manifestação no Mercadão de Madureira contra a decisão. 

Policia vai investigar de onde partiu o tiro

A Polícia Civil também investiga se o tiro que a matou partiu da arma de um policial ou de bandidos.
Na 29ª DP (Madureira), ainda foi aberto inquérito para investigar a morte de Willian dos Santos Possidônio, de 16 anos. Os dois homicídios colocaram em xeque a atuação dos militares.

Para refazer os passos dos PMs na ação, haverá reconstituição do caso após o término dos depoimentos de todas as testemunhas. Nesta sexta-feira, parentes de Cláudia devem comparecer à delegacia para contar suas versões. O pai do menor morto, Wellington Possidônio, também seria ouvido ontem pela polícia, mas adiou o testemunho a pedido de um advogado, até que tenha ciência do teor do inquérito.

Familiares da auxiliar de serviços gerais Cláudia Ferreira%2C que morreu domingo no Morro da Congonha%2C devem prestar depoimento na delegacia de Madureira hojeOsvaldo Praddo / Agência O Dia

O tenente Rodrigo Medeiros Boaventura e o sargento Zaqueu de Jesus Bueno — que participaram da operação no Morro da Congonha — admitiram quarta-feira que trocaram tiros com criminosos. Eles ratificaram o depoimento dado à 2ª Delegacia de Polícia Judiciária Militar (DPJM), onde afirmaram ter visto cerca de 20 bandidos armados atravessarem da Favela Faz Quem Quer para a Congonha. Ainda segundo os relatos dos militares, eles foram cercados pelos criminosos, que estavam armados com fuzis e pistolas, e que, após a reação dos PMs, o bando fugiu.

Outros integrantes da equipe que participaram da incursão, os sargentos Ricardo Machado Morgado e Paulo Henrique Nunes e o cabo Gustavo Meirelles, foram ouvidos ontem pelo delegado Carlos Henrique Pereira Machado, da 29ª DP. À PM, na segunda-feira, Morgado declarou que ao entrar na comunidade viu barricadas feitas pelos traficantes e ouviu vários disparos. No entanto, quando ele e outros três policiais chegaram ao ponto onde estava a equipe do tenente Boaventura, viu somente a apreensão de drogas, armas e rádios.

A polícia ainda investiga o tiro que atingiu Ronald Felipe dos Santos. Ele foi localizado internado na UPA de Manguinhos e, segundo os policiais militares, teria participado do tiroteio.

Promotor foi favorável ao pedido de liberdade

Nesta quarta, o promotor Paulo Roberto Mello Cunha Júnior, do Ministério Público que atua junto à Auditoria de Justiça Militar, opinou favorável ao pedido de liberdade dos acusados feito pelos advogados. A juíza Ana Paula Figueiredo vai decidir sobre a expedição dos alvarás de soltura hoje. Ontem, os militares prestaram depoimento na 29ª DP (Madureira).

De acordo com o promotor, os PMs foram presos em flagrante com base no artigo 324 Código Penal Militar, que fala apenas do descumprimento de regras que prejudiquem à administração militar. “Nesse caso, a denúncia tem que ser feita no prazo de cinco dias. Mas só poderia opinar pela prisão, se fosse denunciá-los. No entanto, para isso seria necessário que o crime estivesse especificado”, explicou o promotor Paulo Roberto.

O governador Sérgio Cabral conversou por cerca de uma hora com os familiares de Cláudia Ferreira da SilvaSeverino Silva / Agência O Dia

Ele sustenta que a investigação precisa identificar ainda se Cláudia estava viva no momento em que foi colocada na caçamba na viatura. “Se estava com sinais vitais, houve transgressão disciplinar pela maneira como foi colocada. Se ela estava morta, não há crime, mas eles podem responder por fraude processual por não ter preservado o local”.

O promotor enfatiza ainda que é preciso apurar também se Claudia estava viva quando foi arrastada pelas ruas. “Se ela apresentava sinais vitais, há o crime de lesão corporal. Mas, se estava morta, eles não cometeram nenhum crime”, afirma. Isso porque a lei não prevê lesão corporal contra cadáver.

Para Paulo Roberto, outra questão importante é apontar o responsável pelo disparo que atingiu a vítima. Segundo laudo do Instituto Médico-Legal, ela morreu por causa de um tiro que perfurou o pulmão e o coração. Ontem, os policiais repetiram na 29ª DP o mesmo depoimento prestado na 2ª Delegacia de Polícia Judiciária Militar (DPJM). Alegaram que colocaram a mulher no porta-mala porque os moradores cercaram a viatura e precisavam prestar socorro o mais rápido possível.

Entenda a opinião do promotor

No momento em que Cláudia foi colocada na caçamba, os policiais podem responder por transgressão disciplinar pela maneira como a vítima foi socorrida. Ou seja, a punição é apenas administrativa e imposta pela Polícia Militar. Mas não respondem a crime previsto em lei.

Por arrastá-la por ruas da cidade, os policiais podem responder pelo crime de lesão corporal. No Código Penal Militar, o artigo 209 prevê pena de três meses a um ano, para lesão corporal leve, e de até oito anos para casos graves.

Para esclarecer se ela estava viva, o Ministério Público que atua junto à Auditoria de Justiça Militar, além de analisar o laudo cadavérico, deve ouvir o perito responsável.

Versão de advogado de PMs diverge da investigação

Segundo o advogado José Ricardo Brito, os PMs Rodrigo Medeiros Boaventura e Zaqueu de Jesus Bueno, que participavam da ação no Morro da Congonha, disseram que não tinha como os tiros dados por ele atingirem Cláudia, porque ela estava em uma curva e, da posição deles, não tinha visão da posição dela.

No entanto, investigadores disseram já saber, com base no ferimento, que a vítima foi baleada por tiro de fuzil 7.62. Eles ainda informaram ontem que, pelo ângulo onde os policiais militares estavam posicionados na operação, os militares poderiam ter atirado em Cláudia. Todas as armas dos PMs foram periciadas.

Às vésperas da reserva

A ação que matou Cláudia seria a última operação do subtenente Rodney Miguel Archanjo. Segundo o defensor dele, Jorge Carneiro, o militar pediria passagem para a reserva (aposentadoria) no dia seguinte. “Ele estava preparando um churrasco em comemoração”, disse Jorge.

Hoje, outros três militares que participaram da ação serão ouvidos na 29ª DP: o cabo Gustavo Meirelles, e os sargentos Ricardo Morgado e Paulo Henrique. Parentes da vítima prestarão depoimento.

Segundo a Polícia Civil, Rodney responde por três autos de resistência; Adir Serrano Machado, por 13; e Alex Sandro da Silva Alves não tem esse tipo de anotação. Outro morto na ação — registrado como auto de resistência — foi identificado como Willian dos Santos Possidônio, 16 anos.

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