Rio - Uma vez por mês, dezenas de devotos fazem peregrinação ao túmulo de um surfista no Cemitério São João Batista, em Botafogo. No jazigo estão os restos mortais de Guido Vidal França Schäffer, médico e seminarista de 34 anos, morto há cinco, quando surfava no mar do Recreio dos Bandeirantes. Fiéis deixam no local placas de mármore em reconhecimento às graças alcançadas. Morador de Copacabana, Guido poderá se tornar o mais novo santo brasileiro.
O primeiro passo rumo a sua canonização será dado no dia 12 de maio, quando o delegado episcopal para a Causa dos Santos da Arquidiocese do Rio, Dom Roberto Lopes, irá a Roma para dar entrada no processo de beatificação no Vaticano.
A Congregação para as Causas dos Santos terá que conceder o ‘nihil obstat’, uma espécie de nada consta, para que Guido se torne beato. A previsão é que a autorização saia em até seis meses. A partir daí, será instalado no Brasil o Tribunal Arquidiocesano para analisar a santidade na vida do médico, nascido em 1974.
O corpo de Guido será exumado e levado para uma das igrejas que frequentava, na Zona Sul. “É um caso interessante. Ele era médico dos pobres. Tinha forte liderança na evangelização dos jovens e um grande coração”, reconhece Dom Roberto.
O religioso é o responsável por reunir material, como depoimentos, laudos, exames e fotos, que comprovem a existência de um milagre operado por intercessão do médico seminarista.
Inúmeros relatos de cura têm sido atribuídos a Guido, como o de uma criança que se salvou de uma hipotonia severa (fraqueza muscular que leva à perda de movimento das pernas e braços), e o de uma freira que se curou de diabetes.
Um dos casos mais impressionantes é o da bacharel em Direito Márcia Sacramento, 43 anos, que chegou a trabalhar com Guido, no serviço voluntário na Santa Casa de Misericórdia do Rio. Ela conta que logo após a morte do amigo, se casou e foi viver na Alemanha. Dois meses depois, durante uma viagem a um mosteiro na Itália, diz ter tido uma visão do seminarista. “Eu o enxerguei vindo na minha direção. Depois ele sumiu e uma criança me perguntei se eu estava esperando um bebezinho. Nem sabia, mas já estava grávida”, se emociona. A gravidez não foi fácil. Com uma gestação de risco devido a sangramentos frequentes, Márcia apelou a Guido. Na mesma noite, os sangramentos cessaram. “Para mim foi um milagre”, acredita Márcia, que deu ao filho o nome de Guido.
O pai, o médico Guido Schäffer, 77 anos, também diz ter sentido a mão do filho na mesa de cirurgia. “Fui operado da coluna. Sentia dores terríveis. Nenhum remédio fazia efeito, e eu já não conseguia levantar da cama. Meu médico alertou minha esposa que eu poderia não sair vivo do hospital. Mas não só me recuperei, como nunca mais tive crises”.
São Francisco carioca para os devotos
A vocação de Guido foi percebida por sua mãe, Maria Nazareth, 65 anos, ainda na infância. “Com 6 anos, eu o encontrei chorando no quarto. Disse que havia visto Jesus, e Ele havia lhe dito para obedecer os pais e prestar atenção no que o padre dizia porque um dia iria cuidar dos outros”, diz, emocionada.
Para ela, a santidade do filho se manifestava no amor aos pobres. “Guido dava tudo o que tinha. Voltava para casa descalço e sem casaco se alguém estivesse com frio”, lembra Maria. Segundo ela, os mais gratos eram moradores de rua. “Eles diziam que as pessoas davam comida, mas só o Guido sentava do lado e os ouvia”, conta a mãe.
Dom Roberto Lopes também acredita na sua santidade. “Guido era um homem do século 20 e, ao mesmo tempo, um São Francisco carioca, que serve de modelo para a Igreja e para a juventude mundial”, ressalta.
Apesar do pouco tempo desde sua morte, a fama de santo do seminarista já correu o mundo. “Já enviei santinhos dele para Filipinas, França, Peru e África do Sul”, enumera a mãe. Por mês, mais de 1 mil pessoas visitam o site (guidoschaffer.com.br). Em maio, será lançado um documentário sobre sua vida, baseado no livro ‘O Anjo Surfista’ .