Por thiago.antunes

Rio - Eles estão acostumados a apanhar e a se reerguer no tatame. Mas desta vez, a queda da qual tentam se recuperar não foi sofrida por um golpe do adversário. É pela reinclusão na sociedade e no mercado das artes marciais. Afastados dos ringues desde que foram presos, os ex-campeões de MMA Diego Anthony, o Diegão, 33 anos, e José Carlos Alves, o Novato, 36, estarão de volta neste domingo ao octógono, no Lutando Pela Paz, torneio disputado entre representantes de comunidades pacificadas do Rio. O evento será realizado, às 15h, no Ciep Salvador Allende, no Morro dos Macacos, em Vila Isabel.

A oportunidade dada à eles pelo dono do evento, Wladimir Alves, trará ao esporte um artefato inédito. Além do tradicional par de luvas, estarão presentes as tornozeleiras eletrônicas pelas quais ainda são monitorados por cumprirem penas em regime aberto. “Acreditar na pacificação da sociedade é apostar na volta por cima e na regeneração de todos. Não é fácil conseguir emprego depois de passar por uma penitenciária. O preconceito existe”, explica Wladimir.

Afastados do ringue desde que foram presos%2C Novato%2C da Região Central%2C e Diegão%2C do Morro dos Macacos%2C treinaram duro de 6h às 21h e estarão no Lutando Pela PazPaulo Araújo / Agência O Dia

A convivência com o monitoramento eletrônico não parece ser uma tarefa fácil para os atletas. Antes de chegarem às academias onde treinam, ambos tentam esconder as tornozeleiras. “Uso panos, tornozeleiras ortopédicas e calças jeans. Os olhares dizem tudo. O constrangimento é constante”, diz Novato, que representará as comunidades da Região Central, enquanto o envolve apetrecho, antes de começar um dos vários treinos que realiza entre 6h e 21h, período concedido para ficar na rua. Caso não esteja em casa após este horário, o alarme soa e o faz lembrar que não é um homem livre.

Rotina muito diferente da que o especialista em capoeira e boxe tailandês tinha há 13 anos, quando se viu tentado pelo dinheiro rápido que o crime proporcionava. Após ser detido por vários assaltos, foi condenado por um duplo homício. “Perdi anos da minha carreira e a infância dos meus filhos. É por eles que quero vencer”, confessa.

A expectativa é a mesma do peso médio Diegão, que retomou o gosto pelas artes marciais no momento mais turbulento da vida. “Quando cheguei à penitenciária de Bangu 4, pensei que minha vida tinha acabado. Mas foi dando aulas de artes marciais a outros detentos que revivi a alegria de ser um faixa-preta. Vencendo, darei à cada um dos amigos que deixei lá a lição de que é possível seguir de cabeça em pé”, diz emocionado, o lutador de jiu-jitsu, que ostenta vitórias no exterior e treinos ao lado da lenda do esporte Rodrigo Minotauro.

Atletas se dizem constrangidos ao mostrar as tornozeleiras eletrônicas durante o treino na academiaPaulo Araújo / Agência O Dia

Foi justamente neste período, em 2008, no auge da carreira, que se envolveu em uma briga “por motivo fútil”, como ele mesmo define. A lesão corporal seguida de morte deixou nele cicatrizes que ainda não cicatrizaram. “A família da minha esposa, por exemplo, nunca soube do meu passado, mas saberá. Esperei este momento em que estarei superando as dificuldades”, desabafa o especialista em jiu-jitsu e boxe, que representará o Morro dos Macacos.

Tornozeleiras eletrônicas terão ataduras no evento

Acostumados a sopapos e golpes contundentes, os lutadores se sentem incomodados por usar as tornozeleiras. “Coça e irrita a pele, mas o maior problema é psicológico. Quando olho para ela, lembro da minha dívida com a Justiça”, confessa Diegão. Para a luta, a tornozeleira será protegida por panos e ataduras de uso ortopédico.

O uso do apetrecho é concedido por decisão judicial. O equipamento possui um GPS e permite o monitoramento por 24 horas. Qualquer ruptura é imediatamente informada à Vara de Execuções Penais (VEP). A unidade de comunicação passa as localidades de quem está usando para a Central de Monitoramento.

Além disto, a tornozeleira funciona como um comunicador apenas receptivo, se porventura alguém da central precisar falar com o usuário. Caso se rompa, a central é imediatamente avisada de imediato. Dos 35.475 internos do sistema penitenciário do Estado, 1.900 são monitorados em regime de Prisão Albergue Domiciliar e monitorados por tornozeleiras.

'Preconceito trava os avanços' - 5 minutos com Jaime Melo de Sá, presidente da Fundação Santa Cabrini

Jaime Melo de Sá conta nesta entrevista que a ociosidade é a pior coisa no dia a dia de um detento. O trabalho, segundo ele, deve andar de mãos dadas com a educação e qualificação.

1. - Qual a principal função do trabalho na vida de um detento?

— Reeducação. Nada é pior do que a ociosidade. O trabalho ameniza o preconceito, mas deve andar de ‘mãos dadas’ com a educação e qualificação. Infelizmente existem amarras culturais, origens que, por vezes, impedem avanços. Alguns, lamentavelmente, não se regeneram.

2. Qual o percentual dos que não voltam à criminalidade?

— Mais de 60% dos que encontram portas abertas no mercado de trabalho se matém longe do crime, se ressocializam. Mas apenas cerca de 15% voltam a trabalhar no mercado formal. O preconceito trava avanços.

3. Qual seria a solução?

— Hoje, acredito em direitos cíveis (como o direito ao voto e à movimentações bancárias) e parcerias com empresas privadas. Espero que a adesão cresça cada vez mais. A Lei 6.346 (que reserva 5% das vagas de trabalho em empresas prestadoras de serviços ao Estado à detentos ou ex-detentos) não se mostrou eficaz. Muitas vezes ela é burlada. O sistema prisional custa caro ao contribuinte enquanto tiver preconceito e não empregar o detento ou ex-detento, pagará por isso.

4- Em relação ao preconceito e constrangimentos, como avalia as tornozeleiras eletrônicas para quem cumpre prisão em regime aberto?

— Quem quer fugir, foge. Com ou sem tornozeleira. Curioso é que o preso que cumpre em regime semi-aberto (quando sai para trabalhar e volta para a prisão) não precisa do artefato. Ou seja, a progressão significa uma liberdade vigiada. Em relação ao constrangimento, era pior quando eram pulseiras. Esconder com uma calça ainda é melhor do que estar preso.

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