Rio - A Via Sacra da Rocinha, que acontece hoje, Sexta-feira da Paixão, vai propor uma reflexão sobre a realidade das favelas, morros e periferias do Rio de Janeiro e de todo o país. “Vamos abrir a Via Sacra com a cena de Jesus ainda menino, com a família. Ele estará em caminhão, do tipo pau de arara, representando as crianças que usam um meio de transporte inadequado e perigoso para ir à escola no Nordeste”, diz o diretor do evento, Aurélio Mesquita, ressaltando a forte ligação da Rocinha com o Sertão, de onde vieram muitos de seus habitantes.
Na sequência do espetáculo, haverá outra cena cheia de simbolismos. O julgamento de Cristo por Pôncio Pilatos será realizado com Jesus amarrado a um pelourinho — onde as pessoas eram açoitadas durante a escravidão. A ideia é vincular esta imagem à repressão e aos excessos da polícia, que muitas vezes atinge a juventude das favelas do século 21. “Queremos mostrar que os instrumentos de tortura que vimos em filmes como ‘Tropa de Elite’ são uma realidade no cotidiano”, explica Aurélio.
É a 22ª edição do evento na Rocinha. À frente do espetáculo desde seu primeiro ato, em 1992, Aurélio diz que o caso do pedreiro Amarildo Souza, morto pela polícia no ano passado, não será citado diretamente. “Ele é um caso emblemático nesta questão de tortura em comunidades, então, neste contexto, seu caso será relembrado”.
Patrocínio
Após realizarem o espetáculo via Lei de Incentivo à Cultura nos últimos anos, os organizadores tiveram problemas para arrecadar fundos em 2014. Segundo Mesquita, seu grupo não conseguiu a Declaração de Patrocínio, em que uma empresa se compromete a bancar o espetáculo. Assim, ficou impedido de concorrer aos editais da Secretaria Estadual de Cultura. Mas o órgão conseguiu solucionar o problema: “A secretaria pagou toda a parte técnica e burocrática, mas o valor ficou abaixo do que pediríamos pela Lei de Incentivo”.
Agitador cultural de uma localidade muitas vezes esquecida pelo poder público, Aurélio Mesquita pretende que o evento marcado para 20h e que vai percorrer 2,7 quilômetros entre o Largo do Boiadeiro e a Paróquia de Nossa Senhora da Boa Viagem, ajude a mudar a realidade de uma população que, como diz um antigo samba, já está livre do açoite da senzala, mas segue presa na miséria da favela.