Por bianca.lobianco

Rio - A União Comunitária, entidade em processo de formação que reúne dez favelas do Rio, pediu reunião com o governador Luiz Fernando Pezão para denunciar a presença de policiais ligados a milicianos na UPP do Pavão-Pavãozinho/Cantagalo. A afirmação foi feita ontem pelo presidente da entidade e da Associação de Moradores do Santa Marta, José Mário Hilário, durante o enterro do dançarino Douglas Rafael da Silva Pereira, o DG, cuja morte gerou intenso protesto na comunidade, terça-feira, e que chegou às ruas de Copacabana. José Mário, que anunciou o encontro para segunda-feira, disse que há pichações fazendo menção a uma organização criminosa naquele complexo de favelas.

Manifestantes que voltavam do sepultamento de DG entraram em confronto com o Batalhão de Choque na Rua Sá FerreiraAndré Mourão / Agência O Dia

“Está cheio de adesivo do Batman por lá”, disse ele. “Eu vi várias fotos com o desenho do Batman que a presidente da Associação de Moradores do Pavão me mostrou.” Zé Mário, que não enfrenta problemas deste tipo no Santa Marta, está preocupado com o rumo do projeto de pacificação.

“É preciso respeitar o direito das pessoas. Do jeito que está não pode continuar. O governador e o secretário de Segurança (José Mariano Beltrame) precisam saber disso.”

O Batman citado por Zé Mário, no caso, é o ex-PM Ricardo Teixeira da Cruz, miliciano que dominava extensas áreas na Zona Oeste e está preso. Batman é um dos cabeças da Liga da Justiça, organização paramilitar formada em sua maioria por policiais e bombeiros. Para Zé Mário, são grandes as evidências de que há uma tentativa de minar o projeto das UPPs. “É muito sério o que está acontecendo no Pavão.

”O presidente da Associação de Moradores do Vidigal e tesoureiro da União Comunitária, Marcelo da Silva, diz que a entidade, criada em março, teme que as UPPs se transformem numa espécie de ‘milícia oficial’. A possibilidade assusta as lideranças e por isso o pedido de reunião. “Há denúncias seríssimas sobre milícia no Pavão”, disse Marcelo. Há relatos ainda de que alguns policiais, ao abordarem jovens na favela, falam em milícia e citam o nome de Batman.

A União Comunitária fará nova assembleia amanhã, quando estarão presentes representantes do Santa Marta, Tabajaras, Tavares Bastos, Santo Amaro, Providência, Vidigal, Rocinha, Guararapes, Cerro Corá e Pio XII, conjunto habitacional mais conhecido como Balança de Botafogo.

Fontes do Serviço de Inteligência da polícia contaram ao que, há cerca de um mês, surgiram inscrições em muros da localidade Vietnã que faziam referência ao personagem Batman. Porém, ainda segundo esses policiais, não há nenhum indício de que a milícia tenha formado novo reduto na Zona Sul. Eles também acreditam que as inscrições podem ter sido feitas pelo tráfico para despistar sobre a presença do chefão Adauto do Nascimento Gonçalves, o Pitbull, de volta ao controle da quadrilha.

Amigos e parentes de DG protestaram pelas ruas de Copacabana nesta quinta-feiraSeverino Silva / Agência O Dia

Ex-diretor do ICCE critica primeira perícia na creche

Indagado sobre as críticas à perícia inicial no local — que não constatou o tiro no corpo e apontou que os ferimentos eram compatíveis a uma queda —, o delegado Gilberto Ribeiro afirmou não ter havido falhas. “Quando há crostas de sangue, é difícil um perito identificar um orifício, já que na perícia de local não há lavagem do corpo. Essa é uma situação possível de acontecer”.

Para o perito Mauro Ricart, o laudo de necropsia é claro: foi um tiro que matou DG. “Acho que foi falta de atenção de todo mundo. Quando vi as informações iniciais do laudo, já sabia que foi um homicídio. Se o local era conturbado para realizar a perícia, o perito deveria ter encaminhado o corpo direto para o IML e acompanhado a necropsia antes de emitir opinião”, analisou.

O especialista, que foi diretor do Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE), também disse que não há dúvidas sobre as lesões no corpo. “Ao meu entender, as lesões foram provocadas pela queda dele do muro. Ele deve ter caído praticamente morto”. 

Ontem, o Tribunal de Justiça criticou ‘a demora de perícias feitas pelo ICCE’, que permitiu a soltura de criminosos pela Justiça. Conforme mostrou a Rede Globo, traficantes do Pavão ganharam liberdade porque a demora na entrega de laudo de perícia de voz ultrapassou o prazo e obrigou juízes a libertar os acusados.

Regina Casé e Douglas Rafael em uma das gravações do 'Esquenta'Reprodução Internet

Amigos e familiares se despedem ao som de funk e pedem justiça

Mais de 500 pessoas, entre familiares e amigos do dançarino Douglas Rafael, estiveram ontem no Cemitério São João Batista, em Botafogo. Eles fizeram com que o corpo fosse sepultado ao som de letras de funk e gritos por justiça. Um tio e uma amiga da família precisaram de socorro médico por conta da forte emoção.

Inconformada com a versão policial para a morte do filho, Maria de Fátima Silva criticava a presença de PMs que faziam a segurança do entorno do cemitério. “Quem os convidou? Este é um evento familiar. Já não basta a dor que nos causaram?”, indagava. O curso das investigações também era alvo de críticas. “Meu filho foi assassinado. Tenho certeza. Não tenho medo de afirmar. Já perdi meu filho, não tenho mais nada a perder”, disse.

Amigos e familiares cantaram funk em homenagem ao dançarino DG durante seu sepultamento no Cemitério São João BatistaFernando Souza / Agência O Dia

Ovacionada na entrada, a apresentadora Regina Casé, com a qual o dançarino trabalhava há quatro anos no programa ‘Esquenta’, da Rede Globo, teve dificuldades para falar, por conta da emoção.

“A insegurança está por toda parte. Fica a lembrança de um rapaz pontual, bom profissional e bom caráter. Dói pensar quantos outros ‘DGs’ estão por aí”, disse, em lágrimas.

O que era para ser um encontro familiar, no entanto, se tornou palco de gritos politizados no final. Um grupo de black blocs chegou ao enterro e passou a gritar palavras de ordem de cunho político. Os radicais, que chegaram a estender uma faixa no cemitério, seguiram a passeata de volta à comunidade, sem incidentes.

Polícia Civil faz nova perícia e ouve oito PMs

Policiais da 13ª DP estiveram ontem novamente na creche onde foi encontrado o corpo do dançarino para nova perícia. Segundo o delegado Gilberto Ribeiro, ao contrário do que acusa a mãe da vítima, Maria de Fátima Silva, as escoriações encontradas pelo corpo de DG não corresponderiam a espancamento. Ribeiro também afirmou que ele não foi vítima de bala perdida.

“A gente não consegue vislumbrar que houve tortura. Os ferimentos seriam escoriações da queda. Pelo tipo de lesão, não há indicação de espancamento”, disse Ribeiro, que vai fazer a reconstituição do crime.

Foram ouvidos oito dos nove policiais envolvidos no suposto confronto com traficantes da favela na madrugada de terça-feira. “Não há contradições nesses depoimentos. Vamos precisar analisar o que foi dito com o que vimos na cena do confronto. Um dos policiais contou que viu um vulto, que seria o DG, pulando de uma laje de onde vieram os tiros para uma laje vizinha da creche”, afirmou o delegado.

Paulo Cesar Calazans Pereira%2C pai do dançarino DG%2C não escondeu a emoção ao chegar no velório do filhoAlessandro Costa / Agência O Dia

Segundo Ribeiro, os PMs negaram que tenham atirado na direção de DG, mas confirmaram que houve troca de tiros com o bando de Adauto Gonçalves, o Pitbull, chefe do tráfico local. O policial acrescentou ainda que não é possível traçar uma relação do dançarino com criminosos da região e que, caso não seja localizado o projétil, será quase impossível descobrir de qual arma saiu o tiro que matou a vítima.

Quatro fuzis e 10 pistolas dos PMs foram encaminhadas para perícia, além de estojo de suposto calibre 40 e um projétil amassado, encontrados próximo de onde estava o corpo.

Sobre a morte de Edilson da Silva dos Santos, 27, atingido na cabeça durante protestos, Ribeiro afirmou que o caso é mais complexo, pois, até agora, a polícia não sabe ao certo onde ele foi atingido. “Somente uma testemunha, que o carregou até os PMs, é capaz de identificar o posicionamento da vítima.”

Polícia desconhece ameaças contra dançarino

A delegacia recebeu, no fim da tarde, a denúncia de Paulo Henrique dos Santos, amigo de DG, que disse ter recebido ameaças de homens da UPP local na última semana. “Os PMs tinham implicância com o DG por conta de uma desavença em 2011. A moto dele chegou a ser apreendida e, depois, devolvida. Ele sempre era abordado. Na semana passada, não concordei com a abordagem de um policial e discuti com ele. O PM disse que eu, DG e os demais dançarinos do Bonde da Madruga éramos bandidos e que estava nos filmando. Tenho medo de ser o próximo”, disse.

A Polícia Militar garantiu, por meio de nota, desconhecer o episódio.

Participaram desta cobertura Athos Moura, Felipe Freire, Gabriel Sabóia e Vania Cunha


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