Por felipe.martins

Rio - ?Wadih Damous, presidente da Comissão Estadual da Verdade (CEV) do Rio, iria telefonar nesta sexta-feira para o coronel Paulo Malhães, a fim de marcar um encontro. O objetivo, segundo ele, era pedir esclarecimentos sobre a Casa da Morte, prisão clandestina para presos políticos mantida em Petrópolis, nos anos 1970. "Ele nos passou alguns nomes de envolvidos nos crimes, outros ele negou. Estamos sistematizando essas informações", declarou, sem revelar mais detalhes sobre o que o coronel revelou em mais de vinte horas de depoimentos prestados.

Damous acredita na possibilidade do assassinato do coronel ter sido uma queima de arquivo. "Ele era um dos mais importantes agentes da repressão. Os assassinos passaram horas na sua casa, o que levanta a hipótese dele ter sido interrogado. Estamos muito preocupados por conta dessas circunstâncias".

Coronel Paulo Malhães%2C que em março confessou ter sumido com o corpo do Rubens Paiva na época da ditadura%2C foi morto em casaJosé Pedro Monteiro / Agência O Dia

Ainda de acordo com o presidente da CEV, os trabalhos posteriores das Comissões da Verdade pelo Brasil podem ser impactados por essa morte. "Talvez a morte de Malhães tenha o objetivo de intimidar outros agentes que eventualmente queiram falar", resumiu.

Coronel ficou refém por nove horas

O coronel foi encontrado morto na manhã desta sexta-feira em sua casa, em um sítio do bairro Marapicu, no interior de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. De acordo com a Delegacia de Homicídios da região, três homens invadiram a residência de Malhães na tarde dessa quinta-feira. Ele ficou em poder dos bandidos por nove horas. As investigações apontam que o coronel foi abordado às 13h e ficou refém até as 22h. Cristina Batista Malhães, viúva do coronel, também foi rendida e trancada em um quarto. O caseiro também ficou trancado em outro cômodo.

A mulher e o caseiro do militar da reserva já prestaram depoimentos. De acordo com a DH, a vítima não tinha marcas de tiros no corpo. Segundo agentes que realizaram a perícia no local, Malhães morreu por asfixia. Um rifle e uma garrucha antiga foram apreendidas pelos policiais e impressões digitais foram colhidas para análise.

Ex-preso político afirma que estão tentando calar futuros depoimentos

Para Ivan Seixas, ex-preso político e coordenador da Comissão da Verdade de São Paulo, houve queima de arquivo. "É um aviso de que eles não estão quietos e não vão querer a verdade", disse Seixas. "Eles são o que sobrou do aparato de repressão, e estão tentando calar futuros depoimentos", indicou.

Ele considera que Malhães era peça fundamental para esclarecer os destinos daqueles que desapareceram pelas mãos da ditadura militar. "O que ele disse incomodou muita gente. Foi um ato de terrorismo, de intimidação", resumiu.

Cid Benjamin, ex-preso político e autor de “Gracias a la vida – Memórias de um militante”, o assassinato foi uma "queima de arquivo" e enfatizou que a democracia está ameaçada pelas "viúvas da ditadura". Ele disse ainda que nunca viu Malhães enquanto esteve preso, pois passava a maior parte do tempo com um capuz cobrindo o rosto. "Lamento sua morte, pois ele estava falando. Não tenho ressentimentos e seria melhor que ele estivesse vivo e eventualmente pagasse pelo que fez. Era réu confesso", disse Benjamin.

O coordenador da Comissão Nacional da Verdade, Pedro Dallari, solicitou ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, nesta sexta-feira, que a Polícia Federal acompanhe as investigações da Polícia Civil do Rio de Janeiro sobre o assassinato do ex-agente do Centro de Informações do Exército, Paulo Malhães, ocorrido nessa quinta-feira à noite na zona rural de Nova Iguaçu.

Coronel informou vários nomes de envolvidos nos crimes da ditadura para a Comissão Estadual da Verdade José Pedro Monteiro / Agência O Dia

Comissão da Verdade pede que Polícia Federal investigue morte de coronel

O coronel da reserva Paulo Malhães prestou depoimento à CNV em 25 de março. No testemunho, deu sua versão sobre operação do Exército para desaparecer com os restos mortais do deputado federal Rubens Paiva. Informou também que agentes do CIE mutilavam corpos de vítimas da repressão assassinadas na Casa da Morte, em Petrópolis, arrancando suas arcadas dentárias e as pontas dos dedos para impedir a identificação, caso fossem encontrados.

Para a CNV, o crime e sua eventual relação com as revelações feitas por Malhães à Comissão Nacional da Verdade, à Comissão Estadual da Verdade do Rio e à imprensa, deve ser investigada com rigor e celeridade.

"Por se tratar de uma situação que envolve investigação conduzida pela CNV, que é órgão federal, pedi que a Policia Federal fosse acionada para acompanhar as investigações conduzidas pela Polícia Civil do Rio", afirmou Dallari.

Crueldade nos porões

O DIA divulgou no dia 26 de março deste ano que o ex-coronel Paulo Malhães relatou à Comissão da Verdade técnicas para ocultar cadáveres de presos políticos em prisões clandestinas como a Casa da Morte, em Petrópolis. Em depoimento, o militar da reserva de 76 anos admitiu que torturou e matou militantes nas prisões clandestinas da repressão.

“Quando o senhor vai se desfazer de um corpo, quais são as partes que podem determinar quem é a pessoa? Arcada dentária, digitais e só”, respondeu ele aos questionamentos de José Carlos Dias, membro da CNV. “Quebrava os dentes. As mãos, não (eram cortadas). Cortavam-se os dedos. E aí se desfazia do corpo… Eu não era tão especialista assim, existia gente mais especialista do que eu”, disse.

Inês Etienne e Coronel Paulo Malhães: cara a cara com a torturaJosé Pedro Monteiro / Agência O Dia

Os guerrilheiros assassinados eram aqueles que, após serem presos, não concordavam em trabalhar para o Exército como agentes infiltrados em suas organizações de esquerda. Malhães também explicou que as mutilações nos corpos eram feitas em quartinhos das prisões clandestinas. Questionado diversas vezes sobre quantos presos políticos matou, o coronel disse não lembrar. “É impossível determinar quantos”, afirmou.

O militar também admitiu que não tem nenhum arrependimento dos crimes que cometeu. “Eu acho que eu cumpri o meu dever”, declarou. Questionado sobre seu envolvimento no desaparecimento da ossada de Rubens Paiva, ele disse que recebeu a missão do Centro de Informações do Exército, mas não conseguiu cumpri-la pois foi acionado para outra ação. Em outro momento do depoimento, disse que os restos mortais de Rubens Paiva eram “uma massa morta, enterrada e desenterrada”. “Não tinha mais nada. Nem sei se aquela massa era realmente dele.”

Em entrevista exclusiva ao DIA publicada no dia 20 de março, Paulo Malhães assumiu que foi um dos comandantes da missão que sumiu com a ossada de Paiva em 1973. O DIA reafirma o contéudo da reportagem. O coronel afirmou que seus cinco filhos e oito netos sofreram “sanções” depois que suas declarações foram publicadas.

Reportagem de Leandro Resende 


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