Rio - O Ministério Público Estadual abriu inquérito para investigar a suposta distribuição de cartilhas que incentivariam a homofobia e o machismo, por parte da Secretaria de Estadual de Educação do (Seeduc), durante o 10º Fórum de Ensino Religioso (ER), em março. A matéria foi publicada com exclusividade pelo DIA no início deste mês.
A 2ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Proteção à Educação da Capital, através da promotora Renata Scharfstein, vai averiguar denúncia feita pelo Grupo de Pesquisa Ilé Oba Òyó, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), de que o material tem conteúdo discriminatório e se a Seeduc deu “privilégio a determinado segmento religioso”.
Intitulado ‘Keys to Bioethics’ (Chaves para a Bioética), o manual teria sido distribuído a pelo menos 100 professores no fórum. De acordo com Stela Guedes, coordenadora do Ilé Oba Òyó, as 80 páginas da cartilha são “recheadas de conservadorismo, homofobia e discriminação contra a mulher, com ilustrações perversas e debochadas”.
“O fato do Ministério Público ter acatado nossa denúncia e decidir investigar o que está acontecendo com o Ensino Religioso no Rio de Janeiro é uma vitória. Uma só religião não pode continuar achando que as escolas públicas são suas salas de catequese e é isso que vem acontecendo com a conivência dos sucessivos governos. Queremos uma escola laica, inclusiva e que eduque para os Direitos Humanos, não o contrário, como esse manual da bioética ensina”, opinou Stela.
De acordo com o Ilé Oba Òyó, a cartilha, feita por entidades ligadas à Igreja Católica, condena a adoção de crianças por casais homossexuais, métodos contraceptivos e o aborto, mesmo em casos de estupro. Tudo baseado em supostos estudos científicos e na Bíblia. Na ocasião, a Seeduc informou que o “encontro (fórum) foi para oportunizar reflexões e diálogos sobre o tema da Campanha da Fraternidade 2014 ‘Fraternidade e Tráfico Humano’ (da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB). Nos próximos dias, O MP vai convocar representantes da Seeduc para prestar esclarecimentos.
Seeduc nega distribuição de manual
Em nota, a assessoria de imprensa da Seeduc informou não ter sido notificada sobre a abertura do inquérito. A secretaria reafirmou, porém, que o manual não foi produzido por ela nem reflete o pensamento da mesma.
“A cartilha foi entregue, de forma voluntária, a pedido de alguns professores que participaram do 10º Fórum de Ensino Religioso. Não houve nenhuma orientação para que o conteúdo deste manual seja utilizado em sala de aula”, diz um trecho do texto.
Na mesmo nota, a Seeduc garantiu que orienta suas unidades escolares a promover discussão e reflexão “para prevenir e enfrentar o sexismo, a homofobia e a violência, promovendo, o respeito às diferenças. O objetivo seria “desenvolver uma postura crítica em prol de uma sociedade de respeito e de paz”.
Instituições criticam ensino
O ensino religioso nas escolas estaduais do Rio de Janeiro sempre foi polêmico. Há críticas de diversas instituições, que alegam que a maior parte dos 600 professores da disciplina, é católica. A Seeduc garante que no quadro de docentes estão também evangélicos, judaicos, mórmons, espíritas, umbandistas e messiânicos.
Em suas considerações no inquérito aberto na quinta-feira, a promotora do MP, Renata Scharfstein, lembrou que a educação é um direito público subjetivo e que a Constituição Federal, em seu artigo 19, prevê a laicidade do estado, impondo a neutralidade com relação às diferentes concepções religiosas. “A fim de compatibilizar o caráter laico com o ensino religioso nas escolas públicas, faz-se necessária a adoção de um modelo não-confessional”, escreveu.