Rio - Durante o depoimento, o caseiro Rogério Pires Teles confessou a participação no assalto que culminou na morte do coronel reformado do Exército Paulo Malhães, na última quinta-feira em seu sítio em Nova Iguaçu, na Baixada. Ele foi preso na manhã desta terça-feira.
O plano de roubo as armas do coronel Malhães foi arquitetado há cerca de um mês, de acordo com a DH da Baixada. Os delegados Pedro Medina e William Pena Junior, titular e assistente da especializada, respectivamente, também disseram que a linha de latrocínio é a mais concreta. Entretanto, nenhuma hipótese é descartada. "A cena do crime já mostrava um crime patrimonial", afirmou o delegado William.
Além dos irmãos de Rogério, identificados como Anderson Pires Teles e Rodrigo Pires, um quarto homem, que estava de capuz, também participou do assalto, mas ainda não foi identificado. Eles permanecem foragidos. Durante o depoimento, Rogério Pires Teles entrou em contradição e acabou entregando seu envolvimento no crime. "Na madrugada de ontem evidenciamos a participação do caseiro que se apresentava como vítima", afirmou Pedro Medina, delegado titular. Um dos participantes já tem passagem por estupro.
Ainda segundo a especializada, o caseiro mostrava um misto de arrependimento e surpresa com a morte do coronel, já que o objetivo, segundo ele, era somente roubar as armas. Rogério também teve o cuidado de mudar a cena do crime.
O caseiro trabalhou durante sete anos com Paulo Malhães, quanto empregado e patrão entraram em acordo e ele foi demitido, há seis meses. Um mês e meio depois ele voltou a trabalhar no sítio.
Contra o caseiro foi cumprido mandado de prisão temporária, expedido pelo plantão judiciário, pelo crime de latrocínio (roubo seguido de morte).
Notícia da morte do coronel Paulo Malhães saiu primeiro em site de militar
Entre as primeiras pessoas que souberam da morte do coronel reformado do Exército Paulo Malhães na sexta-feira está o também coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-comandante do DOI-Codi de São Paulo (1970-1974). O DIA descobriu no Twitter do site de Ustra “A Verdade Sufocada” uma postagem sobre o assassinato de Malhães às 13h08 — 31 minutos antes da primeira notícia em página de empresa jornalística, às 13h39. O site “A Verdade Sufocada” tem o mesmo nome do livro escrito por Ustra, com sua versão sobre a repressão.
A postagem no Twitter traz um link para a matéria no site do militar. A notícia diz que Malhães foi morto com quatro tiros. Há também uma referência ao assassinato do coronel Júlio Molinas Dias em 2012, e que ele guardava em casa documentos do caso Rubens Paiva.
A polícia informou na sexta-feira que o corpo de Malhães tinha sinais de asfixia. A viúva, Cristina, contou que os bandidos cortaram o telefone da casa. O coronel Ustra mora em Brasília.
O coordenador da Comissão Nacional da Verdade, Pedro Dallari, considerou a informação importante para as investigações. “Esse levantamento vai ser importante. Acredito que vão ter que ouvir pessoas em função disso. É uma informação relevante”, afirmou Dallari, que ressaltou que todas as hipóteses devem ser investigadas.
O assessor da Comissão da Verdade de São Paulo Ivan Seixas disse que o site é uma referência entre os militares. “É a mais importante referência dos torturadores. É altamente suspeito ter essa notícia antes mesmo da própria imprensa. Isso chama a atenção e acho que devíamos exigir que a PF entre no caso”, observou Seixas.
Durante entrevista ao DIA em março deste ano, Malhães contou que ele e Ustra tinham trabalhado juntos em algumas operações. Ustra também prestou depoimento à Comissão da Verdade, em maio de 2013. Na ocasião, negou sua participação em torturas e assassinatos.
Procurado para falar sobre o caso do coronel Paulo Malhães, Brilhante Ustra não retornou até o fechamento da edição.
MPF apreende documentos e computadores
O Ministério Público Federal no Rio de Janeiro e a Polícia Federal cumpriram ontem mandado de busca e apreensão na casa do coronel reformado Paulo Malhães, em Marapicu, em Nova Iguaçu.
Durante as buscas foram apreendidas três computadores, mídias digitais, agendas e documentos do período da ditadura, inclusive relatórios de missões das quais Malhães participou.
Em entrevista ao exclusiva ao DIA, viúva revelou que também foi ameaçada de morte
Escondida na casa de amigos, a viúva contou que não pretende mais morar no sítio onde passou metade de sua vida e onde morreu o marido na semana passada. A lembrança das quase 10 horas em que ficou sob a ameaça de três criminosos ainda impede que ela conte todos os detalhes do que aconteceu. Com os olhos marejados, ela abraça as pernas e diz que tem medo. “Eles disseram que podiam matar a mim e a minha família também”, desabafou Cristina.
Ela diz que o casal tinha saído de casa na quinta-feira de manhã para levar um dos cachorros no veterinário em Cabuçu, bairro de Nova Iguaçu. Paulo Malhães dirigia o carro do casal. O coronel e Cristina seguiram depois para uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), próxima do sítio. Ela explicou — mostrando marcas dos ferimentos nas mãos— que os dois tinham sido mordidos pelo cão fila dias antes e foram ao local tomar vacinas (antitetânica e antirrábica). Ao chegar em casa, na volta, os cães latiram, mas eles não repararam em nada de anormal.
Quando abriu a porta, Cristina percebeu que um dos cachorros correu direto para o corredor que dava no quarto do casal. “Foi então que eu disse ao Paulo, ‘parece que tem alguém aqui’. Aí eles apareceram e renderam a gente com as próprias armas do Paulo. Eu reconheci”, contou ela.
De acordo com ela, o coronel não havia perdido o jeito de agente secreto: dormia todas as noites com um revólver 38 na cabeceira da cama. Cristina também revelou que dos três criminosos, apenas um usava capuz e luvas.
A viúva diz que ainda tem medo de revelar os outros detalhes do crime e que vai aguardar as investigações. Presente à perícia complementar realizada no sábado, Cristina diz que apenas na segunda visita os policiais levaram para análise o travesseiro com que Paulo Malhães foi encontrado e que continha sangue do militar.
Ela também contou que o atestado de óbito do militar aponta que a causa da morte foi “edema pulmonar, isquemia de miocárdio e miocardiopatia hipertrófica ”, esta última é uma doença pré-existente.
Um especialista que preferiu não se identificar explicou que os dados apontam para uma morte provocada por um infarto em decorrência de um estresse muito forte, com aceleração aguda do coração. Ele disse, porém, que as circunstâncias da morte só serão explicadas no laudo cadavérico. “Tem que ler o laudo todo. Às vezes na guia policial não vem a história toda para o médico e analisando o cadáver a gente encontra outra lesão já existente. Só o laudo do local e o cadavérico juntos é que vão dar a conclusão do caso”, explicou.
Coronel fez fogueira com documentos da ditadura
De seus 40 anos de idade, Cristina Malhães passou 25 ao lado do coronel. Os dois começaram a viver juntos quando ela tinha apenas 15 anos. “Eu perdi a minha coluna. A verdade é que eu vivia um pouco a vida dele, e não a minha”, contou, a voz trêmula.
Magra, baixa e frágil, Cristina é um mulher simples. Ela resumiu sua vida ao sítio em Marapicu. Cuidava da casa, dos cachorros e, especialmente, do marido. Concluiu o Ensino Médio e fez um curso técnico de Informática, mas nunca trabalhou fora de casa. “Vivíamos da pensão do Paulo”, disse.
Os dois raramente deixavam o local .“Eu queria sair, mas como ele não gostava, eu não criava problema”, disse.Ela lembra que em um dos poucos momentos de lazer, há muitos anos, o casal fez um passeio na Praia de Itacuruçá. Os dois não tiveram filhos. Primeiro, Cristina diz que foi ele quem não quis, pois já tinha cinco de outras cinco uniões. Depois, foi ela quem desistiu. Ao consultar um pai de santo que jogava búzios, descobriu que seu primeiro filho seria um homem. Como queria uma menina, decidiu não engravidar.
Sobre o papel que o marido desempenhou no Exército, ela diz que já sabia de alguns detalhes antes das primeiras entrevistas dadas em 2012. “Toda vez que ele contava, acho que ele se aliviava um pouco. Ele gostava de falar e de dar entrevistas. Acho que ele gostava de falar do assunto. Ele amava o Exército”, contou ela.
Cristina disse que pouco antes de começarem a morar juntos, Paulo Malhães fez uma grande fogueira com todos os documentos que tinha da época da ditadura.