Por paulo.gomes

Rio - A reedição de conflitos entre traficantes e policiais nos complexos do Alemão e da Maré, na Zona Norte do Rio, começa a repercutir de forma negativa no mercado imobiliário da região. A avaliação é do engenheiro Eduardo Pompéia, da Bolsa de Imóveis do Rio de Janeiro (Birj), para quem a política de segurança pública do governo do estado é a mola-mestra que ajuda a impulsionar a alta ou a baixa de preços nas áreas em que há morros e favelas. A Secretaria de Segurança não quis falar sobre o assunto.

“Os imóveis no entorno de comunidades acompanharam a valorização do mercado. Mas, nas áreas com UPP, essa valorização foi ainda maior — os preços chegaram a ficar exorbitantes quando começou a pacificação. O aspecto da possível fragilidade das UPPs fez com que o mercado se movimentasse negativamente. Até mesmo comunidades estabilizadas, como o Dona Marta, em Botafogo, podem sentir uma espécie de efeito dominó se as pessoas começarem a duvidar da pacificação”, garante Pompéia.

Proprietários de imóveis próximo ao Alemão temem queda de preços após o retorno dos tiroteiosEstefan Radovicz / Agência O Dia

O engenheiro ilustra sua avaliação com um exemplo. Antes da ocupação da Maré, em Bonsucesso, um prédio comercial na Rua 29 de Julho estava avaliado em R$ 2,4 milhões. Com a entrada da polícia no complexo, o valor se elevou 30%. Depois do reinício dos confrontos, em junho passado, uma redução de 20% no valor já foi detectada.

Vice-presidente do Sindicato da Habitação (Secovi) do Rio, Leonardo Schneider concorda que o fato de o tráfico querer retomar comunidades pacificadas ou ocupadas afeta o mercado imobiliário, mas ressalva que ainda é cedo para se ter certeza.

“A questão da segurança pública foi um dos pilares da valorização dos imóveis, principalmente nas zonas Norte e Sul. A política parecia consolidada e, até bem pouco tempo atrás, a sensação era de realidade imutável — o que fez os imóveis se valorizarem e ganharem liquidez”, acentua Schneider.

E completa: “Os morros da Tijuca estão pacificados. Mas se o tráfico quiser retomar as comunidades, a sociedade vai questionar a política de segurança e poderá haver ameaça à liquidez dos imóveis e ao preço. A população tem que sentir firmeza e apoio do governo às UPPs. Naturalmente, há muito que se melhorar, mas nos últimos anos foi uma das melhores políticas implementadas”, acentua Schneider.

Em Copacabana, onde há poucos dias também ocorreram duros conflitos entre moradores e policiais militares, as negociações de imóveis ainda não deram mostras de arrefecimento, como no Alemão e na Maré. “Quando acontecem esses tumultos, há retração nas vendas. Mas logo depois volta ao normal. É algo momentâneo”, afirma Maria José da Silva, gerente da Pacífica Administradora de Imóveis. “Na verdade, o mercado todo está passando por uma crise”, sintetiza André Medeiros, da Foco Imobiliária.

Imobiliária não comenta retração

A valorização de imóveis no entorno de morros e favelas pacificados foi tão vertical, que um apartamento de 24 m² em conjunto habitacional da Cehab, em frente ao Alemão, em Ramos, está anunciado no site de vendas OLX por R$ 95 mil.

“O apartamento é da minha irmã, que não mora no Rio. Eu é que o estou negociando, mas vou tirar a placa por causa do que está acontecendo no Alemão”, disse por telefone a mulher que se identificou como Cláudia da Cruz. “Ninguém vai querer comprar nesse momento”, acrescentou, referindo-se aos tiroteios entre policiais militares e traficantes.

Casas em várias ruas próximas ao Alemão exibem placa de ‘vende-se’ — a maioria, negociada por imobiliárias, que não quiseram comentar a possível retração por causa de confrontos bélicos.

Seis casas próximas ao Alemão têm placas de venda

Na Rua Major Rego, localizada bem próxima a uma das entradas do Complexo do Alemão pela Rua Paranhos, pelo menos seis imóveis têm placas afixadas na frente anunciando a venda. Entre eles, duas vistosas e enormes casas — pelo menos uma delas tem até piscina.

“Os donos estão pedindo um valor muito alto. Vão ter que baixar o preço, ainda mais se os tiroteios não cessarem. Os proprietários de uma casa já pediram mais de R$ 600 mil, e agora querem R$ 550 mil. O do imóvel ao lado é oferecido a R$ 570 mil, mas duvido que consigam vender”, dispara um senhor vizinho, que não quis se identificar.

Dono de uma das propriedades, o gerente de vendas Dario Madruga conta que há seis meses recebeu oferta de R$ 350 mil pelo imóvel. “Na época não quis vender. Mas há quatro meses, reconsiderei a decisão e anunciei”, diz.

Dario admitiu estar preocupado com os tiroteios que voltaram a cortar o silêncio da pacata Rua Major Rego. “Realmente me preocupo que isso desvalorize o imóvel e eu tenha que baixar o preço para conseguir vender. Mas tem muita gente vindo ver a casa”, ressalta Dario, informando que o valor pedido é R$ 600 mil — R$ 50 mil a mais do que relatou o vizinho.

O que o gerente de vendas não explica é por que a casa, anunciada há tanto tempo, ainda não foi vendida — já que há muitas pessoas interessadas em comprá-la, como afirmou.
O corretor Sérgio Brito, mesmo não sendo o negociador do imóvel, tem informações de que o valor pedido é mesmo R$ 550 mil.

O DIA não conseguiu localizar os donos dos outros imóveis à venda.

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