Por thiago.antunes

Rio - ‘Na época do descobrimento do Brasil, quando piratas navegavam na Baía de Guanabara, há registros que eles se escondiam em ilhotas enquanto esperavam o fluxo de baleias passar para liberar o caminho”, contou o professor e marinheiro Ricardo Benevides, de 51 anos. A história contrasta com o atual cenário do cartão-postal, que Ricardo conhece como poucos e foi chamado de “lixeira” pelo jornal ‘The New York Times’, conforme o DIA noticiou nesta terça.

Há três anos, ele mora em um barco atracado na Praia da Urca, onde garrafas pet e sacos plásticos invadem uma das paisagens mais bonitas do Rio. “Quando a maré está enchendo, a água vem do oceano e fica transparente. Mas quando esvazia, carrega toda a sujeira que vem da Baía. E dá nojo até de remar”, disse. Apesar da poluição, o marinheiro é convicto ao afirmar que o lugar ainda é um paraíso. E não é difícil entender o motivo.

O professor Ricardo Benevides mora em um barco atracado na Urca%3A “Quando a maré está enchendo%2C a água vem do oceano e fica transparente”Ernesto Carriço / Agência O Dia

Com vista privilegiada para a Pedra da Urca e o Corcovado, a vida passa devagar enquanto aviões decolam do Santos Dumont cortando o céu. No entanto, poderia ser melhor: “Esse barco ficou 10 anos em Angra e nunca tive que trocar a tinta. Já aqui, quando a gente vai limpar está cheio de monstros, cracas que se alimentam de poluição”.

A poucos metros de distância, o único vizinho de Ricardo é o mergulhador Douglas da Silva, de 39 anos. Ele vive em uma plataforma de concreto que servia como posto de abastecimento para hidroaviões na Segunda Guerra Mundial. Hoje, a sua morada é batizada como “Argonauta”, que simboliza os exploradores do oceano, segundo a mitologia grega.

“Mergulho aqui desde que era criança. A gente encontra todo tipo de lixo lá embaixo, desde garrafa pet a carcaças de animais, mas nos últimos anos a situação melhorou um pouco”, relata. No entanto, o mergulhador afirma que ainda há muita vida marinha. “A gente pesca muita lula e encontra peixes de todas as espécies quando aqui está mais limpo. Tem uma tartaruga que sempre vem se alimentar”, disse.

Douglas vive em uma plataforma flutuante%3A “Nos últimos dez anos%2C a situação melhorou um pouco”Ernesto Carriço / Agência O Dia

Enquanto remava para levar a equipe de reportagem de volta à praia, ele aproveitava para recolher sacos plásticos no caminho: “Faço a minha parte, o que todos deveriam fazer para salvar a Baía”.

Uma prova de velocidade

O biólogo Mário Moscatelli, especialista em recuperação de áreas degradadas, concordou com a afirmação feita em reportagem do jornal americano ‘The New York Times’, que classifica a Baía de Guanabara de “lixeira”. Para o biólogo, cerca de 60% da Baía está poluída. Já os outros 40%, que ainda estão razoavelmente preservados por ficarem na área de proteção ambiental em Guapimirim, correm o risco de também ficarem comprometidos.

Moscatelli, que monitora a qualidade das águas da Baía de Guanabara há dez anos, diz que o Rio de Janeiro vive um momento decisivo em relação às Olimpíadas. Para ele, ou o governo estadual começa a limpeza agora ou não haverá mais tempo. “Temos o período de dois anos para o sucesso ou o fracasso total”, disse o biólogo.

O bicampeão olímpico de vela Lars Grael sugeriu que as competições da modalidade deveriam ser transferidas para Búzios. O Comitê Organizador dos Jogos Rio 2016, em nota, afirmou, porém, que vai “garantir que as condições da área de competição durante os Jogos Rio 2016 e os eventos-teste oficiais estejam adequadas para disputas de vela de alto nível” e que vai “organizar competições de vela de alta qualidade em água limpa”.

A Secretaria de Estado de Ambiente, que toca o projeto de despoluição da Baía de Guanabara, informou que espera cumprir a meta de 80% de despoluição. Para isso, além de Unidades de Tratamento de Rios (UTRs), que recebem esgoto e lixo, há projetos de saneamento de praias da Baía e programas de reflorestamento do entorno. Segundo o órgão, o tratamento de esgoto subiu de 18% para cerca de 40%.

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