Por thiago.antunes

Rio - A polêmica Lei do Boné que proíbe o uso do acessório, além de capuzes, gorros ou capacetes que possam esconder o rosto em estabelecimentos comerciais, bancários e até condomínios, dividiu opiniões no Rio ontem, em seu primeiro dia útil de validade. Enquanto alguns representantes das categorias envolvidas elogiaram a iniciativa, outros a condenaram.

O objetivo da lei 6.717/2014, segundo a autora, a deputada estadual Lucinha (PSDB), é “impedir que criminosos tentem driblar as câmeras de segurança durante abordagens e assaltos”. “Estou atendendo a um pedido de comerciantes”, justificou. De acordo com o texto, os vigilantes poderão pedir para que os clientes retirem o boné para facilitar a identificação. O descumprimento resulta em multa de R$ 500 a quem usar o acessório.

Apoio%3A para Milena Fernandes%2C de 15 anos%2C que usava um gorro ontem%2C na entrada do Shopping Rio Sul%2C medida vai trazer mais segurançaPaulo Araújo / Agência O Dia

Nas ruas, muita gente não “tirou o chapéu” para a ideia. “Eu tenho calvície e não posso pegar sol. Então, tenho que usar este chapéu em todos os lugares que vou. Acho essa lei desnecessária e invasiva”, protestou a aposentada Dulce Maria, de 73 anos, na entrada do Shopping Rio Sul, em Botafogo. “Eu acho a lei legal porque evitará muitos assaltos. Vai trazer mais segurança”, opinou a estudante Milena Fernandes, de 15 anos.

Carlos Collor, diretor do Sindicato dos Vigilantes — categoria que está em greve e reúne 45 mil profissionais no Rio —, adiantou que a entidade vai tentar derrubar a lei na Justiça. “É mais uma responsabilidade incabível para o vigilante, que terá que passar por constrangimento mandando as pessoas retiraram acessórios da cabeça”, disse o sindicalista. Ontem, em nenhuma entrada de estabelecimentos comerciais e bancários percorridos pelo DIA no Centro e na Zona Sul havia placas indicativas alertando sobre a lei, conforme o texto determina.

'Sempre uso boné e nunca me repreenderam. Mas sou contra%2C quero poder me vestir como eu quiser'%2C Bruno Metz%2C 31 anos%2C AmbientalistaPaulo Araújo / Agência O Dia

Donos de fábricas de bonés dizem que lei é ‘mais uma que não vai pegar’

Donos de fábricas de bonés se disseram indiferentes à nova lei e ainda a ironizaram. “É o tipo de lei que não vai pegar, como a que proíbe sacolas em supermercados”, aposta Marcelo Brito, dono da Bonés Zacavi, que fabrica mais de 10 mil peças por mês em Campo Grande.

Ênio Bittencourt, presidente da associação de lojistas da Saara, que tem 1.200 lojas no Centro, disse ser a favor da lei. “Qualquer iniciativa que vá trazer mais segurança para os comerciantes e consumidores, é válida”, afirmou.

A direção da Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ) e do Sindicato de Hotéis, Bares e Restaurantes do Rio de Janeiro (SindRio), por sua vez, preferiram, “por enquanto”, não comentar o assunto, segundo suas assessorias. Especialista em direitos civis e do consumidor, o advogado Marcos Cailleaux não vê inconstitucionalidade na Lei do Boné. “É o tipo de lei em que há argumentos para os dois lados, tanto de quem é contra como de quem é a favor. Os prós e contras vão depender de cada situação, de forma isolada”, comentou Marcos Cailleaux.


Novo projeto aponta discriminação

Na Câmara de Vereadores, tramita o projeto de lei 794/2014, do vereador Marcelo Piuí (PHS), contrário à Lei do Boné. Pelo texto, ele considera ato de discriminação, violação dos direitos individuais e constrangimento, a revista aos pertences e vestimentas, assim como a obrigatoriedade de retirada de utensílios pessoais, como relógios, pulseiras e bonés, no ingresso a estabelecimentos comerciais do Rio.

“A legislação estadual subverte o princípio da presunção de inocência, prevista na Constituição, colocando todos que ingressam em estabelecimentos comerciais com gorros ou bonés como suspeitos”, justificou Piuí, que concorda com o professor do Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana da UFRJ, Michel Misse. Para ele, a Lei do Boné cria constrangimento, “é absurda e histérica”.

Já Rômulo Dlahka Tao, aficionado por rap e bonés, não escondeu sua revolta. “É preciso que os políticos se concentrem em leis para nos trazer mais saúde, educação e emprego. A lista de carência é enorme”, desabafou. A Polícia Militar não informou se foi acionada ontem por conta de supostos descumprimentos da nova lei.

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