Rio - Pré-candidato do PSOL ao governo do estado, o professor Tarcísio Motta de Carvalho, o Tarcísio do PSOL, ainda é um desconhecido do eleitor. Seu nome não tem sequer aparecido nas pesquisas. Fundador do partido que conquistou 1 milhão de votos nas eleições municipais de 2012, apenas na capital, Tarcísio acredita que poderá receber os votos de eleitores de Marcelo Freixo, que será candidato a deputado estadual, e Chico Alencar, que tentará a reeleição na Câmara. Ambos têm figurado sempre entre os mais votados do estado para os parlamentos.
Vascaíno e portelense como o prefeito Eduardo Paes, de quem é crítico feroz, fã de Candeia, Cartola e Zeca Pagodinho, o historiador se apresentará ao eleitor como uma espécie de representante das manifestações de junho para atrair o voto dos insatisfeitos com a política ou, como ele diz, com a velha política. Aos 39 anos, pai de três filhos, estudou sempre em escola pública, desde a infância, em Petrópolis, à Universidade Federal Fluminense, em Niterói, sempre militando em prol da educação. Diretor do bloco de rua Bagunça Meu Coreto, ele quer agora acabar com o que chama de farra na política no Estado do Rio.
O DIA: O senhor é um desconhecido do eleitor, que imaginava ver Marcelo Freixo como candidato do PSOL. Como se deu a construção da sua candidatura?
Tarcísio: As manifestações de junho pediam uma perspectiva nova para a política e o PSOL discutiu como deveria se apresentar para esta eleição. A ideia era uma candidatura que tivesse a ver com estas manifestações. E eu tanto participei como tenho minha história vinculada à educação. Como os deputados Marcelo Freixo e Chico Alencar vão permanecer no parlamento para fortalecer nossas bancadas, a gente fechou esta estratégia e aceitei o desafio.
O DIA: Quais as reais expectativas em relação à sua votação? Receber os votos que serão dados ao Freixo e ao Chico Alencar e dos descontentes com a política?
Tarcísio: O PSOL teve votação expressiva no Rio, Niterói e São Gonçalo em 2012. A expectativa é de crescer e crescer muito. Vamos mostrar que governar não é apenas dirigir, mas criar condições para que as pessoas se autogovernem e participem. Junho não foi a negação da política, mas da velha política. É uma candidatura que só tem a crescer. Vamos disputar votos e ideias.
O DIA: Será uma eleição contra o atual governador, um ex-governador e dois senadores. Uma tarefa difícil.
Tarcísio: São todos representantes da velha política. São todos “Cabrais”. Se a ideia era o “Fora, Cabral”, se isso ficou tão forte em 2013, temos que mostrar que o problema do Cabral não era ele em si, mas a política que ele representa, e essa política esta presente no Garotinho, no Lindbergh e no Crivella. E, claro, no Pezão. Eles representam o mesmo modelo. O PT faz parte do projeto de poder do PMDB do Rio. É vice do Eduardo Paes. Eles são mais do mesmo, são o que as ruas rejeitaram. E a gente quer ser a alternativa.
O DIA: Que alternativa? O que vocês têm de diferente?
Tarcísio: Não vamos aceitar financiamento de grandes empreiteiras, que vão financiar todas as outras candidaturas. Não teremos esse vínculo financeiro. Queremos um novo modelo para o Rio, que vai incorporar as lutas sociais, a pauta LGBT, a feminista, a legalização das drogas, a desmilitarização da PM. São pautas que estarão na nossa campanha e que vêm das ruas.
O DIA: O senhor é a favor da desmilitarização da PM?
Tarcísio: Desmilitarizar não é acabar com a polícia. É preciso explicar isso. Hoje a militarização é a resposta para qualquer conflito e isso não está dando certo. Caveirões foram comprados, bilhões foram investidos e mesmo assim as pessoas estão inseguras porque o processo de enfrentamento não dá resultado e leva a mais e mais mortes. A desmilitarização é boa para a própria PM. Significa pensar um novo processo de formação, de carreira única, onde todo mundo pode ter acesso aos postos mais altos da corporação. Ela concederia direitos aos policiais. O governador não tem o poder de desmilitarizar a polícia, mas de adotar políticas desmilitarizantes.
O DIA: Por exemplo?
Tarcísio: A UPP, que é um programa de controle e domínio de território.
O DIA: O senhor é contra?
Tarcísio: Não. Mas ela precisa ser mais do que isso. O governo a apresenta como polícia comunitária. Ela é na verdade o policiamento da vida comunitária, que fica subordinada à polícia. Isso é militarizar o cotidiano das pessoas. E a gente é contra. É preciso construir uma política de segurança que tenha a garantia de direitos básicos das pessoas.
O DIA: E sua posição em relação às drogas?
Tarcísio: A política de guerra às drogas fracassou. Ela é uma guerra aos pobres disfarçada. A quantidade de pessoas que é morta neste processo é muito maior do que a de pessoas que estão morrendo por uso de drogas. Legalização não é liberação, não é incentivo ao uso. O álcool é uma droga que causa diversos males e é tratado com problema de saúde, não com proibição. O tabaco a mesma coisa. O governador tem que defender essa bandeira, que foi levantada pelo Jean Wyllis na Câmara.
O DIA: E as greves? Se for eleito governador, o senhor automaticamente passa para o outro lado. Como o senhor se imagina mediando este conflito, já que não vai poder dar o salário pretendido no primeiro dia de gestão?
Tarcísio: A primeira coisa a fazer é instituir a data-base do funcionalismo. Isso resolve parte enorme dos problemas, porque há a insegurança no servidor, se ele vai receber ou não reajuste naquele ano porque não há a obrigatoriedade da negociação. O professor, então, parte do princípio que tem sempre que ir para a luta para conseguir a negociação. Isso dá para fazer imediatamente. A segunda coisa é que no caso do Rio nem é tão difícil de valorizar o servidor porque a lei de responsabilidade fiscal coloca o limite de 49% da receita para gastos com pessoal. O Rio não chega a 30%. Então, há uma margem grande para fazer isso. É uma questão de prioridades. É fácil de resolver? Não. Mas essa negociação vai acontecer.
O DIA: Que leitura o senhor faz dos protestos de 2013 e da violência que afastou o povo das ruas?
Tarcísio: A violência partiu, sobretudo, do estado. As pessoas vinham para a rua em solidariedade às vítimas da violência policial.
O DIA: Pelo estado, mas não só pelo estado, também por manifestantes.
Tarcísio: A violência do estado gera uma resposta violenta, que muitas vezes é autodefesa. Só que isso virou uma escalada de violência. Isso afastou muita gente. E aí a violência da polícia se torna mais efetiva e a resposta também se torna mais violenta. O protagonismo para resolver tinha que ser do estado, com política. Mas a gente não pode achar que só há duas formas: criminalizar os black blocs ou agir como eles. Não. Há que se entender o contexto de que a violência partiu do estado.
O DIA: Nem sempre. A sede do PSTU foi depredada, bancas de jornais, carros, casas. E o PSTU está longe de ser o estado, não?
Tarcísio: Não é possível atacar a sede de um partido, de esquerda ou direita, por diferenças ideológicas. Está errado e não podemos ser coniventes com isso. E há mecanismos jurídicos para isso. Mas ação da polícia não é atacar a manifestação, mas garantir que isso não aconteça. No Leblon, a polícia deixou a coisa correr durante mais de uma hora para depois reprimir. Não é o papel dela. Polícia é prevenção. E aí saiu do controle de todos.
O DIA: E a Copa? Vai torcer pela seleção brasileira?
Tarcísio: Os protestos não podem se confundir com o ataque ao futebol, que faz parte da nossa cultura. Adoro futebol e vou torcer pela seleção. Mas... se não ganhar, tem promessa do Eduardo Paes se matar em caso de vitória da Argentina (risos). É tentador. Minha recusa em torcer pela Argentina é muito menor nesta Copa (risos).
O DIA: O Rio de Janeiro vai aceitar um governador com rabo de cavalo (risos)?
Tarcísio: Ter cabelo comprido não é mais transgressor como nos anos 60. É melhor ter rabo de cavalo do que ter rabo preso (risos).