Por thiago.antunes

Rio - Desde o ano passado, a população brasileira teve que se acostumar com um cotidiano ainda mais conturbado. No Rio, Cinelândia, Candelária, Avenida Presidente Vargas, Palácio Guanabara e Assembleia Legislativa se tornaram palcos de protesto e disputa, muitas vezes violenta.

Os números assustam. De acordo com relatório da ONG Artigo 19, apresentado na última semana, ao menos 837 pessoas ficaram feridas até dezembro, durante as manifestações em todo o país. O estudo também registra agressões a 117 jornalistas.Em São Paulo, durante um dos protestos de junho, o fotógrafo Sérgio Silva perdeu a visão de um dos olhos, após ser atingido por uma bala de borracha disparada por um policial.

Truculência policial e ação de mascarados tornaram os protestos violentos%2C o que reduziu as adesões João Laet / Agência O Dia

A consequência é previsível. As manifestações pulverizaram, mas encolheram. Pesquisador do fenômeno das manifestações, o professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Ivar Hartmann, acredita que a violência teve dois momentos decisivos para os protestos. “Acho que teve efeitos em dois sentidos. Em um primeiro momento, mobilizou ainda mais, com as pessoas vendo o que aconteceu com quem estava nas ruas. Mas isso foi em alguns dias, algumas semanas. Agora, a violência tem sido muito mais um desincentivo. As pessoas têm medo da repressão policial”, afirmou Hartmann.

A violência policial marcou inúmeros episódios. Ao longo dos meses, 2.608 pessoas foram detidas. Só em junho 1.212. A PM do Rio diz que abriu 67 investigações envolvendo o trabalho dos agentes em manifestações. Desses, dois policiais foram indiciados por crime militar, três por crime comum e cinco punidos por transgressão disciplinar. Os nomes, porém, não foram fornecidos.

Os manifestantes também listam uma série de problemas no comportamento policial como a falta de identificação na farda, as prisões injustificadas e o uso excessivo de força. Para Hartmann, “a polícia não foi treinada e nunca ganhou equipamento adequado.”

‘Eu só quebrei banco’, diz integrante dos black blocs

Em meio aos protestos um grupo de jovens mascarados e de preto marcou posição e ficou conhecido. Estão envolvidos em episódios contraditórios. Tanto de vandalismo, como de defesa de professores, mas também na morte do cinegrafista Santiago Andrade. Sua atuação é polêmica e de difícil compreensão. De ferido no protesto a adepto da tática black bloc. Assim é a trajetória de Eric Pedrosa, 22 anos.

Ele conta que no grande ato da Avenida Rio Branco, que reuniu 100 mil pessoas, ele estava ajudando um policial que estava encurralado na rua lateral da Alerj, quando foi atingido no olho por um estilhaço de bomba de gás lacrimogêneo. A cicatriz no canto da pálpebra é visível até hoje. “A partir do momento em que eu quase fiquei cego, eu tenho que proteger o meu olho”, justifica Pedrosa, ao dizer por que aderiu aos black blocs.

Eric Pedrosa diz que aderiu aos black blocs depois de ser ferido por estilhaço de bomba que quase o cegouUanderson Fernandes / Agência O Dia

De lá para cá, já participou de 44 manifestações. Segundo ele, tem o apoio da família e a própria mãe chegou a comprar a sua máscara antigás. Questionado sobre o que conhecia de teoria política, respondeu rindo: “Maquiavel, O Pequeno Príncipe. A única coisa que eu li foi o Pequeno Príncipe e o Alquimista do Paulo Coelho.” Sobre os atos de vandalismo, ele afirma que só atacou “símbolos do capitalismo”. “Eu só quebrei banco”, conta.

Pedrosa diz que vai torcer pela Alemanha na Copa do Mundo. E garante que vai marcar presença em todos os protestos que puder. Para pesquisadores tanto a violência policial quanto a causada pelos adeptos da tática black bloc também contribui para a violência. “Eles acreditam na violência como forma de mudança e contestação social. Isso entra em choque com outros movimentos sociais que acreditam na via pacífica”, explicou o sociólogo Paulo Baía.

Cinegrafista morreu após disparo de rojão

Em fevereiro, um protesto contra um novo aumento no preço das passagens de ônibus no Rio terminou de modo trágico. O cinegrafista da Rede Bandeirantes Santiago Andrade acompanhava a manifestação quando ativistas e policiais militares do Batalhão de Choque entraram em confronto.

Morte do cinegrafista Santiago Andrade virou marco na luta contra a violência nos protestosDivulgação

Ao fazer imagens da confusão, Santiago foi atingido na cabeça por um rojão disparado pelos manifestantes Fábio Raposo e Caio Souza. Ambos estavam com os rostos encobertos e foram identificados com o auxílio das imagens dos jornalistas que cobriam o protesto. Santiago chegou a ser levado com vida ao hospital, mas não resistiu aos ferimentos dias depois. Sua trágica morte virou símbolo na luta contra a violência nos protestos.

Fábio e Caio foram presos pouco tempo depois. Eles continuam detidos aguardando julgamento, acusados acusados pelos crimes de explosão e homicídio triplamente qualificado. As penas podem chegar a 34 anos de reclusão.

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