Rio - Enquanto milhares lotam as ruas do Rio em festas durante os jogos da Copa do Mundo, centenas vão às ruas e protestam. Sem tanta empolgação ou descontentamento, 22 indígenas que moravam no prédio do antigo Museu do Índio, rebatizado de Aldeia Maracanã, ao lado do principal palco do Mundial, mantém torcida discreta pela Seleção Brasileira. Eles assistem aos jogos no único aparelho de TV da antiga Colônia Curupaiti, em Jacarepaguá, onde estão morando desde março de 2013.
“Não somos contra a alegria do povo brasileiro com a Copa do Mundo. Nunca fomos. Só não queríamos injustiça com nossa história, que é importante”, declarou o cacique Carlos Tukano. Segundo ele, todos assistiram juntos à estreia do Brasil contra a Croácia, na última quinta, e devem repetir a dose hoje, contra o México. Para eles, o gol mais bonito da Copa até agora foi marcado na última sexta-feira, quando foram contemplados com apartamentos do programa ‘Minha Casa, Minha Vida’.
As chaves dos imóveis devem ser entregues no dia 26. “Foi um alívio depois de tanta incerteza. Sairemos das condições desumanas de Curupaiti. Vivemos como sardinhas em lata, em contêineres”, relatou o vice-cacique Garapira Pataxó.
A incerteza da qual fala Garapira está relacionada à Copa e é, desde 2012, uma partida com contornos dramáticos. Naquele ano, o governo do estado anunciou a demolição do Museu do Índio para construção de um estacionamento pelo consórcio privado que administra o Maracanã. Em março de 2013, veio a notícia de que ali seria construído o Museu Olímpico, seguida da ação de reintegração de posse do local: os índigenas foram retirados do espaço pela Polícia Militar, tendo ali sua maior derrota.
Mesmo com as mudanças em sua vida por causa do Mundial, os índigenas não endossaram o coro de ‘Não vai ter Copa’. “O futebol faz parte da cultura brasileira, assim como os índigenas. Mas sempre estivemos esquecidos. Ainda precisamos de mais atenção”, indicou Tukano. O jogo continua.
De Curupaiti para Conjunto Zé Kéti
Os 22 índigenas da Aldeia Maracanã que estão em Curupaiti se mudarão para o Conjunto Habitacional Zé Kéti e Ismael Silva, construído no terreno do antigo presídio Frei Caneca, no Centro. Segundo a Secretaria estadual de Habitação, eles represenatm 35% dos moradores indicados pela Defensoria Pública do Estado. O restante do empreendimento será ocupado por 998 famílias que ficaram desabrigadas após as chuvas de 2010. Cadastradas pela prefeitura, as famílias vêm de comunidades como Rocinha, Prazeres e Turano.
Museu dá lugar a Centro de Referência
Depois de manifestações, ocupações, repercussão internacional e até um protesto inusitado de um índigena que ficou 26 horas sobre uma árvore, a Aldeia Maracanã apostou no diálogo com o poder público para virar o jogo.
Em agosto de 2013, o prédio do Museu do Índio foi tombado pelo Instituto Estadual de Patrimônio Cultural e, no fim do ano, o governador Sérgio Cabral decretou que ali deverá funcionar o Centro de Referência da Cultura dos Povos Indígenas.
O projeto arquitetônico do prédio está previsto para ficar pronto entre setembro e outubro deste ano, e os índigenas esperam que as obras comecem ainda em 2014. “Não é por que é um local caindo aos pedaços que deve ficar assim. Ali está a nossa memória”, lembrou o cacique Tukano.