Por felipe.martins

Rio - A novela envolvendo a máfia dos ingressos na Copa do Mundo teve mais um capítulo movimentado com a fuga do inglês Raymond Whelan, o ‘tubarão’ da Fifa. O homem acusado pela investigação de ser um dos principais fornecedores de entradas aos jogos foi citado em escutas telefônicas, obtidas pelo DIA, pelo francês de origem argelina Mouhamadou Lamine Fofana, que chefiava o grupo, como ‘o cara da Fifa’.

Raymond Whelan (à esquerda)%2C acompanhado por seu advogado Fernando Fernandes%3A inglês fugitivo é citado por Lamine Fofana em escutas telefônicas como ‘o cara da Fifa’Oswaldo Praddo / Agência O DIA

A conversa entre Lamine Fofana e um cambista ocorreu em 13 de junho, um dia depois da abertura da competição, e é apontada pela Polícia Civil do Rio como mais uma prova que liga o inglês ao esquema. Na época, Raymond Whelan era gerente-executivo da Match Services, fornecedora exclusiva de bilhetes nas partidas do Mundial, cargo que deixou de ocupar desde anteontem. No grampo telefônico, Lamine Fofana demonstrou preocupação em pagar US$ 37 mil ao homem apontado como o fornecedor da quadrilha (veja abaixo parte das gravações da escuta), além de mencionar que presentearia os jogadores Kaká e Oscar.

Nesta quinta-feira, o Juizado Especial do Torcedor aceitou a denúncia feita pelo Ministério Público e pediu a prisão preventiva de 11 dos suspeitos de envolvimento com o grupo. Entre eles, Raymond Whelan e Lamine Fofana. Indiciado, o advogado paulista José Massih responderá o processo em liberdade porque está colaborando com as investigações.

Preso temporariamente na segunda-feira, o inglês foi solto menos de 12 horas depois, beneficiado por um pedido de liberdade provisória. E, por volta das 16h15 desta quinta, deixou o Copacabana Palace pela porta dos funcionários, de um jeito bem menos glamouroso do que sugere a um hóspede de um dos hotéis mais luxuosos do Rio. A fuga ocorreu uma hora antes da chegada de agentes da 18ª DP (Praça da Bandeira), que foram ao local para cumprir o mandado de prisão.

No grampo telefônico, Fofana fala em dívida de milhares de dólaresSeverino Silva / Agência O Dia

A fuga foi descoberta por meio das câmeras de segurança do local e policiais encontraram no quarto 514, onde ele estava hospedado com a mulher, roupas nas malas, dois celulares e televisão ligada. O promotor Marcos Kac, da 9ª Promotoria de Investigação Penal, informou que pediu às polícias Civil e Federal que tomassem providências para que o executivo da empresa ligada à Fifa não deixe o país. “A polícia está atrás dele”, disse. A Interpol e a Polícia Rodoviária Federal também foram acionadas.

GRAVAÇÕES

O ‘CARA DA FIFA’

Em uma conversa de 12 minutos, ocorrida no dia 13 de junho, data da abertura da Copa do Mundo, Lamine Fofana conversa com um homem, possivelmente um cambista, e demonstra preocupação com o pagamento que deve ser feito imediatamente ao “cara da Fifa”. De acordo com a polícia, que fez o grampo telefônico com autorização da Justiça, o pagamento de US$ 37 mil por ingresso seria feito ao britânico Raymond Whalen, o ‘tubarão’ da Fifa, apontado como fornecedor da quadrilha.

CAMBISTA - Já tá no Rio ou tá na estrada?

LAMINE - Não, não. Chego ao Rio lá pela... Tentando resolver problema aquele que aconteceu lá em São Paulo, ok? Porque lá eu perdi muito dinheiro nisso... Tem que pagar o cara lá da Fifa (o executivo Raymond Whelan) esta manhã, que é o último dia.

CAMBISTA - Cacete... Que merda, hein?

LAMINE - Não vou fazer confiança a ninguém com ingresso, com nada. O cara faz a merda e a gente tem que pagar.

CAMBISTA - Foda. O cara deu pra trás, é?

LAMINE - Não ser (sic) muito o caso. O caso do box quando você foi, chegou lá pelas dez e meia da noite e tá falando agora às dez horas da manhã. E fechou o negócio dez e meia da noite e a gente puto com isso, entende?

CAMBISTA - O cara ficou puto ainda?

LAMINE - Não, puto não. O cara, eu não falo com o cara mais. O cara da Fifa disse que não vai ver ele. Ele não vai fazer negócio com você e você... Foi o que aconteceu. Outro cara, mesma coisa aqui... Eu vou sacar no banco agora. Banco, tá tranquilo, 37 mil dólares que vão sair do meu bolso.

CAMBISTA - Cara. Tem dinheiro comigo, Lamine. Lamine!

LAMINE - Que vai fazer? A gente não faz a coisa que você faz.

CAMBISTA - Escuta! Tem dinheiro comigo!

LAMINE - Não entendi.

CAMBISTA - Tem dinheiro comigo, aquele do Cadu. Quer que eu leve aí?

LAMINE - Não, não. Seis mil, sete mil eu tenho aqui. Ah... Tenho aqui 14 mil, 20 mil. Tenho também 17 mil. E agora tenho que esperar um dinheirão que vai me dar. Mais ou menos 30 mil em uma hora. E eu vou pagar o cara da Fifa, fica tranquilo.

CAMBISTA - Tá bom, então. Daqui a pouco você me fala onde tá e eu levo aí pra você.

LAMINE - Escuta, aqui tenho Nigéria. Jogo pra você.

CAMBISTA - Ok.

LAMINE - Pra te entregar diretamente, eu vou a la coisa de Fifa (SIC) pra pegar categoria 1 e dar ao Maurício.

Lamine a Ray: ‘Vou colocar um preço pra ele comprar’

Uma das escutas telefônicas autorizadas pela Justiça flagrou uma conversa entre as duas pessoas apontadas pela investigação como os principais responsáveis pelo esquema. O diálogo ocorreu às 15h07 de 13 de junho, horas após o diálogo em que o francês Mouhamadou Lamine Fofana demonstrou preocupação em pagar ‘o cara da Fifa’.

Lamine Fofana disse que precisaria de 20 ingressos para o ‘sétimo jogo’, em referência à decisão da Copa. Whelan respondeu que tinha 24 ingressos de camarotes privados, avaliados em US$5 mil cada. Ao todo, o valor chegaria a US$ 600 mil.

“Ok. Isso eu posso fechar hoje. Eu vou tentar colocar um preço pra ele comprar sua final e tento vender o resto”, disse.

Na conversa, eles revelaram um problema ocorrido em Cuiabá, possivelmente com ingressos. Mas não detalharam o assunto. Ray disse ter todo o tipo de ingresso: “Eu tenho os sete jogos das próximas fases”. E Fofana deixou claro que sua participação no esquema não se limitava à venda de ingressos: “Vou tentar ligar pra uma pessoa que tentou me vender uma e vou comprar pra ele”.

Segundo MP, bando se reunia no Copacabana Palace desde dezembro

A denúncia apresentada à Justiça pelo Ministério Público acusa os 12 suspeitos de integrar a máfia dos ingressos da Copa do Mundo de se reunirem no luxuoso Copacabana Palace, uma espécie de ‘QG’ do grupo, em reuniões identificadas pela investigação desde dezembro do ano passado.

De acordo com o MP, os suspeitos revendiam entradas no ‘câmbio negro’ a valores ‘infinitamente superiores àqueles estampados na face dos bilhetes’.

Raymond Whelan foi denunciado por ação criminosa e por beneficiar o cambismo. Os outros suspeitos irão responder também por lavagem de dinheiro, associação criminosa, cambismo e corrupção ativa, além de uma tentativa de suborno no momento da prisão.

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