Rio - A derrota da seleção argentina para a Alemanha prolongou a espera de quase três décadas pelo título mundial. Antes de cair no chororô, um mar azul e branco inundou o Rio de Janeiro. Em Copacabana, a orla ganhou ares de Revéillon fora de época. Durante todo o dia, os hermanos estavam eufóricos, confiantes na conquista do tricampeonato. Nos momentos finais da partida, a provocação entre torcidas brasileira e argentina terminou em confusão e pancadaria generalizada pelas ruas do Rio.
A polícia fez cordões de isolamento para conter os ânimos dos torcedores, que atiravam cocos, barracas, mesas e garrafas contra os rivais. O Batalhão de Choque lançou bombas de efeito moral para dispersar torcedores argentinos que fecharam a Av. Nossa Senhora de Copacabana. No fim da noite, já deixavam o Rio em carreatas rumo à Argentina.
No tumulto, muitos saíram antes do fim da partida na arena Fifa Fan Fest, como o alemão Gerhard Darth, 45 anos, que não chegou a ver o gol do título. “Essa rivalidade quase estraga nossa festa”, lamentou.
Antes da confusão, o clima era de festa. Na orla, a torcida ganhou o apoio de Messi e Maradona, sósias dos dois maiores ídolos argentinos, encarnados pelos cariocas Jefferson, 24, e Gilvando Oliveira, 52 anos. Moacyr Martins, sósia do ex-Papa Bento XVI, que é alemão, deu a benção ao argentino Leonel Paz, de 31 anos, após a derrota. “Não fique triste meu jovem. Minha reza foi mais forte que a do Papa Francisco”, brinca. “Não ganhamos, mas jogamos de igual para igual com os alemãs”, reconheceu o jovem.
O ‘tangódromo’, como ficou conhecida a passarela do samba, que serviu de quartel-general dos hermanos ficou deserto durante a partida. “Muitos foram ao Maracanã”, disse Patricia Sanchez, 49 anos, que rodou três mil quilômetros num Fiesta de Rosário, sua terra natal, até o Rio. Ela dormia com a família no próprio veículo. Visivelmente triste após o jogo, preferiu não alimentar a rixa entre Brasil e Argentina. “É só futebol. Um dia você perde, no outro ganha. Acontece”.
Mesmo quando já não havia mais tempo e a vitória da Alemanha parecia consumada, argentinos aplaudiama sua seleção. “Voltaremos bem tristes, mas de cabeça erguida. Nosso time lutou até o fim. Foi falta de respeito os brasileiros rirem da gente na saída do estádio. Não entendi por que torceram para a Alemanha”, desabafou Facundo Maldonado.
Provocação e alegria durante o dia
Eles pareciam o time ‘da casa’. Maioria uniformizada absoluta nas proximidades do Maracanã, os argentinos não escondiam a frustração pela derrota na prorrogação. Mas, antes da final, os hermanos lotaram os bares da Tijuca e coloriram as ruas do bairro de azul e branco.
“Temos Messi, temos o Papa. Quem é Neymar?”, provocava o argentino Savo Dias. Alvo preferido deles, Pelé era citado em quase todas as músicas, que comparavam o eterno camisa 10 a Diego Maradona. A brincadeira era bem aceita pelos brasileiros, que passaram a apoiar os alemães em clima amistoso. A certeza do título era tão grande que muitos dos nossos rivais no futebol circularam com faixas de campeões no peito. No fim do jogo, reconheceram a capacidade germânica.
Apreensivos com possíveis brigas e atos de vandalismo, comerciantes de vários bares e restaurantes da Praça Vanhargem só vendiam cerveja em copos plásticos e com pagamento adiantado.
Comemoração antes do resultado
Horas antes de testemunharem o tetracampeonato de seu time no templo do futebol carioca, alemães se concentraram no quiosque Tor (gol em alemão) no Leme, para fazer o ‘esquenta’ do jogo. Algumas cervejas depois, saíram em direção à estação Arcoverde do metrô, cantarolando músicas em homenagem ao futebol e à cidade que os acolheu por 31 dias.
Nos arredores da estação — que teve segurança reforçada —, a Polícia Militar e a Guarda Municipal separaram as torcidas para evitar tumulto antes da decisão.
Mas nada que abalasse a confiança dos alemães, que foram caracterizados com trajes usados na Oktober Fest. Confiante na ótima campanha de sua seleção, Maurits Hammer, de 70 anos, chegou ao Rio sexta-feira com lugar garantido no Maracanã para acompanhar a final. “Sigo a Alemanha em todas as finais de Copa do Mundo. Estou confiante no tetra”, disse, antes de chegar ao estádio. Pelo menos para eles, o pensamento positivo ajudou na vitória.
Na Lapa, um grupo de brasileiros provocava argentinos, reforçando a velha comparação entre Maradona e Pelé. Cercado por brasileiros, o comerciante argentino Osvaldo Ramacciotti, 42 anos, respondeu a provocação erguendo sete dedos da mão. "Não há agressividade. É só futebol", minimizou.