Por thiago.antunes

Rio - A oitava pessoa que morreu depois de submeter-se à cirurgia de coluna com o ortopedista Fernando Cesar Lamy Monteiro da Silva foi o aposentado Sérgio de Oliveira, de 79 anos. O médico teve o registro profissional cassado pelo Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj), por erro médico que levou à morte o analista de sistema Marcelo Santos Costa, em 2012. Por esse mesmo motivo, na quarta-feira, o Ministério Público denunciou Lamy à Justiça, por homicídio culposo. Mesmo impedido, ele continuava a dar consultas. Foi preso na segunda-feira, após denúncia do DIA.

“Meu sogro morreu por causa dele (Lamy). Na época não fizemos nada, mas agora é hora de falar”, disse o comerciante Sidney Magalhães, genro da vítima, que disse que irá à polícia. “Eu estava numa loja de produtos ortopédicos quando uma mulher de uns 50 anos entrou e, do nada, começou a elogiar o doutor Lamy, dizendo que ele fazia milagres em cirurgias de coluna usando técnica revolucionária. Falou que foi operada e saiu andando do hospital no mesmo dia, com apenas alguns furos nas costas. Agora acredito que ela tenha sido paga por ele para fazer aquela propaganda”, suspeita Sidney.

O aposentado Sergio de Oliveira ao lado da mulher%2C filhas e netas em álbum de família%3A ele foi a oitava vítima do médico cassadoDivulgação

O comerciante contou a história ao sogro, que sofria de dores na coluna lombar e cervical, e ele ficou interessado. Sidney levou-o à consulta com Lamy. “Ele ligou o computador e apresentou a tal técnica revolucionária”, lembra. O médico cobrou R$ 12 mil antecipadamente, em dinheiro, afirmando que era o custo do material. O genro de Sérgio quis saber quanto custaria o trabalho do médico. “A resposta foi tão inacreditável, que nunca esquecerei. Ele disse ‘ganho sim, mas é o meu pedacinho no céu’. É um cínico”, revolta-se o comerciante.

A operação na coluna lombar e cervical, feita no mesmo dia, ocorreu em novembro de 2012. Horas depois Sérgio recebeu alta médica. “Foram quatro furos na lombar e um na coluna cervical. Dias mais tarde, meu sogro passou a ter dores terríveis e a perder mais ainda os movimentos do corpo. Com menos de um mês da cirurgia, o quadro tinha se agravado, mas Lamy mandou que ele fizesse hidroterapia e passou um remédio à base de ópio, que deixava Sérgio prostrado. Ele foi perdendo a lucidez, não saía mais da cama e continuava com dores. Não havia mais o que fazer. Em 4 de abril de 2013, meu sogro morreu de AVC (acidente vascular cerebral)”, relatou Sidney. 

Agentes da 26ª DP apreenderam documentos no consultório de Lamy (C) para a investigaçãoJoão Laet / Agência O Dia

Um outro caso suspeito também foi descoberto pela equipe do DIA: uma mulher, que pagou por cirurgia na cervical e nas mãos (túnel de carpo), desconfia que Lamy não fez qualquer procedimento em sua coluna. A bancária Simone Moreno da Conceição, 47, fez um desabafo: “Eu deixei isso pra lá. Nem queria mais falar nesse assunto. Isso me deixou muito chateada.”

Mulher acredita ter sido enganada por ortopedista

Em 30 de abril de 2013 a bancária Simone Moreno da Conceição, 47 anos, internou-se no Hospital Semiu, em Vicente de Carvalho, para submeter-se a três cirurgias com o ortopedista Fernando Cesar Lamy Monteiro da Silva: coluna cervical e túnel do carpo (nas mãos).

“Ele usaria na minha cervical a técnica moderna que se faz com pequenos furos. No mesmo dia saí do hospital. A operação nas mãos funcionou, mas eu continuava com dores na coluna cervical e reparei que havia apenas um furinho no pescoço. Poucos meses depois, procurei outro especialista, que me mandou fazer novos exames”, conta.

Mariza ficou de cama dois anos após ser operada por Lamy. Outro médico a fez andar de novo%2C ainda de muletaCarlo Wrede / Agência O Dia

Foi então que Simone se surpreendeu: “O médico olhou os exames e disse que parecia que nenhum procedimento tinha sido feito na minha cervical. E só com a anestesista a conta foi de R$ 8 mil. Ainda tenho todos os recibos”, diz Simone, desconfiada de que a cirurgia na coluna simplesmente não foi realizada.

Ao saber que oito pessoas morreram depois de se submeterem a cirurgias na coluna com Lamy, que outras seis ficaram com graves lesões, e que o Cremerj cassou o registro médico de Lamy, Simone fez apenas um comentário: “É impressionante!”.

Apesar do susto e do risco que ela correra se fosse submetida a cirurgia por Lamy, Simone revelou que não pretende engrossar o inquérito instaurado pela delegada Juliana Tommy, da 26ª DP (Todos os Santos), que apura as mortes e os casos de lesões envolvendo o ortopEdista. “Isso tudo já passou. O importante é que agora estou nas mãos de um bom médico”, comentou.

Pesquisa na hora de escolher

Infelizmente, não há muitas ferramentas disponíveis para que um paciente pesquise a fundo informações sobre o médico que escolheu para se consultar, fazer tratamento ou submeter-se a cirurgia. Mas, embora a busca seja superficial, já é um começo.

Em dois sites específicos sobre médicos — o do Conselho Federal de Medicina e o do Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro — há pelo menos a informação básica sobre a situação desses profissionais: ativo, inativo ou com alguma restrição. Não informam a especialidade ou contatos por telefone e e-mail. Os endereços são www.cfm.org.br (conselho federal) e www.cremerj.com.br). No site do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (www.tjrj.jus.br) também se pode pesquisar processos judiciais em nome da pessoa. É importante olhar sites de busca, para ver se o nome aparece.

Ação contra o hospital

Os advogados da administradora de empresa Susan Christie dos Santos Costa, viúva do analista de sistemas Marcelo Santos Costa, vão impetrar ação na Justiça por danos morais contra o médico Fernando Cesar Lamy e contra o Hospital Copa D’Or, considerado por eles corresponsável no caso.

“Sabemos que Lamy não integrava o corpo médico da casa, mas eles cedem o espaço. Portanto, entendemos que o hospital tem responsabilidade em tudo o que ocorre em suas dependências”, afirmou o advogado Elias Isaac Nobre Gabbay. Seu colega José Maria Álvares Raposo acredita que a Justiça vá ter esse mesmo entendimento. Procurada pela equipe do DIA, a assessoria de comunicação da Rede D’Or continua a afirmar que não teve interferência na cirurgia e que Lamy não era médico do Copa D’Or. O hospital informou ainda que apenas cedeu o espaço para a cirurgia.

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