Rio - Torturas em praças públicas, que muitas vezes terminavam com vítimas mortas com sacos na cabeça, eram os métodos de integrantes da milícia ‘Liga da Justiça’ para expulsar e subjugar até cinco mil moradores de seis condomínios do Programa Minha Casa, Minha Vida, na Zona Oeste. Ontem 21 suspeitos de integrar o bando foram presos na Operação Tentáculos da Polícia Civil e do Ministério Público.
Entre os detidos, está o subtenente da PM João Henrique Barreto, o Cachorrão, lotado no 40º BPB (Campo Grande), apontado como um dos chefes da quadrilha. Dos 27 procurados, 13 são agentes públicos. Os negócios da quadrilha, que incluíam revenda e aluguel de imóveis, rendiam R$ 1 milhão, por mês.
Segundo investigações, pelo menos 1.600 unidades foram ‘tomadas’, com a ajuda de milicianos síndicos dos prédios, de seus proprietários. Os imóveis eram revendidos pelo valor de R$ 50 mil, mas os mutuários continuavam pagando a prestação à Caixa Econômica sob ameaça de morte.
“Moradores das unidades eram obrigados a pagar taxas por todo tipo de serviço e, em caso de atrasos, eram expulsos ou até mortos”, disse o delegado Alexandre Capote, titular da Delegacia de Repressão às Atividades Criminosas Organizadas e Inquéritos Especiais (Draco-IE). A milícia impunha até a compra de cestas básicas superfaturadas de R$ 70 para R$ 220.
GALERIA: Policiais realizam operação contra milicianos na Zona Oeste
“A prisão do Cachorrão é fundamental para a desarticulação da quadrilha”, analisou o promotor Marcus Vinicius Leite, responsável por denunciar o grupo por formação de quadrilha armada à Justiça. Cachorrão era peça fundamental do esquema após as prisões dos ex-PMs Toni Ângelo, o Erótico, em 2013, e Marco José de Lima Gomes, o Gão, preso terça-feira pela Divisão de Homicídio (DH).
A operação contou com 350 agentes. Um homem foi preso em flagrante por porte de arma e outro por ser foragido da Justiça. Segundo balanço da Secretaria de Segurança dos 27 mandados de prisão, 19 foram cumpridos, e 90 mandados de busca e apreensão. Para o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, a ação reflete o combate a uma prática criminosa enraizada há 20 anos. “Existe uma estrutura de milícias que resiste no Rio. Foram muitos anos sem que nada fosse feito. A cada ação, o crime diminui. A Polícia tem problemas, mas são pontuais”, afirmou.
Treze agentes, dos quais seis PMs, integravam bando
A prisão de Ademir Horácio de Lima, o Demi, síndico de um dos condomínios, revela outra tática usada pela milícia para acuar moradores. “Era um estado de exceção em pleno Rio de Janeiro. Com o apoio dos síndicos, os milicianos sabiam quais eram os melhores imóveis a ser ocupados e cobravam cotas em dinheiro. Muitas vezes, as ‘visitas’ aos moradores eram feitas no dia seguinte aos que chegavam nos imóveis”, relatou o diretor de Polícia Especializada, delegado André Drummond.
Dos 27 acusados, seis são policiais militares, três ex-PMs, um bombeiro, um agente penitenciário, um policial civil e um militar do exército. Entre os materiais apreendidos estão seis carros de luxo, uma moto, seis pistolas, uma carabina e R$7.852 em espécie. De acordo com o promotor Marcus Vinicius Leite, desde 2007, já foram realizadas mais de 700 prisões contra integrantes da Liga da Justiça. “Nosso trabalho é contínuo. Não podemos deixar que os milicianos se restabeleçam por lá. Contamos com a contribuição popular através do Disque-Denúncia (2253-1177). A cada prisão, o grupo fica ainda mais acéfalo”, analisou Marcus Vinicius.
Assassinato era forma de intimidação
Dono da empresa CL Cestas Básicas, Lenilson de Oliveira, o CL, militar do Exército, é apontado como o principal responsável pelo monopólio de venda de cestas básicas superfaturadas a R$ 220. Nos supermercados, o preço não passa de R$ 70.
Para isso, ele se aliou à empresa Crack das Cestas. O negócio pertencia ao policial militar Mozar Soares da Cunha assassinado a tiros, dentro de seu Chevrolet Camaro, quando transportava R$ 100 mil em espécie, no dia 28 de março, em Coelho Neto. A quadrilha usava de violência para obrigar os moradores a pagar taxas de ‘segurança’, valores extras de luz, gás e água, além de ligações clandestinas de TV a cabo, conhecida como ‘gatonet’. Quem se negava a pagar ou atrasava era delatado aos milicianos e expulso do apartamento.
No inquérito, ex-morador contou que donos de imóveis foram mortos na frente de outros como demonstração de força do bando. Na casa de Ademir Horácio de Lima, o Demi, a polícia apreendeu chips de celulares, boletos e listas de controle de cobrança. A Liga da Justiça foi fundada pelos irmãos Jerominho, ex-vereador; e Natalino Guimarães, ex-deputado estadual, ambos presos.
‘Já matamos um, rala’
“Aqui é a milícia. Já matamos um, rala. Você tem dois minutos para sair, antes que eu mate você e essas duas”, ordenou Ademir Horácio de Lima, o Demi, acompanhado de Jorge Luiz da Silva Caldeira, o Sargento, Petrúcio Reis da Anunciação, o Petruk e Renan dos Santos Barbosa, em outubro de 2013. Na ocasião, moradora, que estava com duas filhas, foi expulsa, com a roupa do corpo, do Condomínio Ferrara, em Campo Grande. Em maio de 2011, a Justiça começou a reintegração de posse de 143 apartamentos invadidos.
O empreendimento foi erguido como parte do Programa Minha Casa, Minha Vida, principal projeto habitacional do governo federal. O trabalho de retomada dos imóveis foi interrompido por causa da milícia. A denúncia foi feita pelo então secretário municipal de Habitação, Jorge Bittar. Ele acusou policiais de fazerem vista grossa para homens armados no condomínio e denunciou à Secretaria de Segurança.