Rio - Um aluno da Rede Municipal de Ensino teve que trocar de escola depois de ter sido, segundo sua família, impedido de frequentar as aulas por usar guias de candomblé sob o uniforme. X., de 12 anos, adotou a religião há cerca de dois meses. Como parte de sua iniciação, tinha que usar as guias durante três meses. Mas, segundo sua família, a diretora teria proibido o menino de entrar na unidade.
X. já não ia à Escola Municipal Francisco Campos, no Grajaú, há mais de um mês. Isto ocorria, segundo afirma a mãe dele, Rita de Cássia, porque a diretora havia avisado que não permitiria a presença dele usando guias ou quaisquer outros trajes característicos do candomblé.
No dia 25 de agosto, o menino tentou voltar a frequentar as aulas, mas teria sido impedido, segundo a família. Com as guias por baixo da camisa do uniforme, além de bermuda e boné brancos, ele teria sido proibido de entrar na escola pela diretora. A alegação dela, segundo a família, foi de que X. estava usando roupas fora do padrão adequado.
A mãe do estudante disse que tinha conhecimento apenas de que o uso da camisa com o logotipo da prefeitura seria obrigatório. Segundo Rita de Cássia, outros alunos usavam boné, bermudas e calças de outras cores, além de tênis coloridos no dia em que o filho foi barrado: “A diretora colocou a mão no peito do meu filho e disse que ele não entraria com as guias, que estavam por baixo da camisa”.
A diretora foi procurada pela reportagem, mas na escola informaram que o contato teria que ser feito com a Secretaria Municipal de Educação. A pasta limitou-se a explicar que a diretora, cujo nome não foi informado, alegou que houve um “mal entendido”.
Para o cientista social Paulo Jorge Ribeiro, da Uerj, a atitude seria válida se símbolos de outras religiões também fossem proibidos. “A grande questão não é se a escola permite ou não o uso de guias de candomblé, mas como a sociedade vai criar mecanismos para que todos os símbolos religiosos sejam expressos de forma igualitária”, disse o professor.
Para o pastor Marcos Gladstone, fundador da Igreja Cristã Contemporânea, a proibição pode ter sido motivada por regras da escola, como as que restringem o uso de acessórios: “Se for assim não vejo problema. Mas se foi por motivo religiosos, acredito que a escola deve ser laica e respeitar o credo de cada um”.
O Padre Lincoln Gonçalves, da Igreja de São Cosme e São Damião, no Andaraí, diz que o Estado laico tem a missão de preservar a fé. “A atitude que se vê nesse caso é muito mais de um Estado intolerante e ateu, que quer coibir os símbolos da fé. A Constituição determina que o Estado seja laico, e não ateu”.
Choro e constrangimento
Na tarde desta segunda-feira, o menino começou a frequentar outra escola municipal no Grajaú, sem ser incomodado por causa de suas guias e bermuda branca. A mãe dele afirma que X. ficou envergonhado e não quis mais estudar na antiga escola: ele se sentiu “julgado” pelos colegas e responsáveis que estavam no portão da escola quando foi proibido de entrar.
Segundo a mãe, X. chegou a ficar três dias com febre e chorou copiosamente. O pai de santo Rafael Aguiar contou que após ser iniciado no candomblé, a pessoa, além de não poder pegar sol, precisa usar roupas claras, tapar a cabeça e usar as guias por um período de três meses: “A religião tem o seu simbolismo e suas tradições, que precisam ser respeitadas”.
Proibições polêmicas pelo mundo
Na França, véus e burcas causam polêmica desde que uma lei — decretada em 2010 mas que só entrou em vigor em abril de 2011 — vetou o uso dessas peças em espaços públicos e na rua. Em caso de desobediência, a pessoa pode ser multada em até 150 euros. Muita gente foi contra, considerando que o decreto estigmatizava as pessoas.
Para defender a lei, o governo alegou a preservação da liberdade e do direito da mulher, a manutenção do Estado Laico e medida de segurança, para evitar que terroristas usem as vestimentas para não serem identificados. Em julho, a Corte Europeia de Direitos Humanos decidiu que o decreto francês é válido. Antes da decisão francesa, as vestimentas foram motivo de divergências no mundo.
Em 2004, a jovem muçulmana Cennet Doganay, à época com 15 anos, raspou a cabeça em sinal de protesto por ter sido impedida de frequentar as aulas na França de véu. Ela tirou a peça, mas cortou os cabelos. Já no Brasil, outra jovem muçulmana teve problemas para renovar a carteira de motorista porque compareceu à prova teórica usando o véu. Ela registrou o caso na delegacia.
Colaboraram Gustavo Ribeiro e Maria Luísa Barros