Por thiago.antunes

Rio - O tráfico do Complexo do Alemão usa menores de idade para vender drogas e atuar na linha de frente contra a polícia. A informação foi publicada pelo DIA em julho e confirmada em investigação da 45ª DP (Complexo do Alemão), que desencadeou nesta quinta-feira megaoperação para cumprir 41 mandados de prisão e sete de busca e apreensão em diversas comunidades da região. Foram detidos 21 adultos e apreendidos quatro menores. Cerca de 300 homens da Subsecretaria de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública, Polícia Civil e do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público, participaram da ação.

GALERIA: Ação no Alemão termina com 25 na cadeia

Entre os presos está o líder do tráfico local, Edson Silva de Souza, o Orelha. Ele recrutava menores e adultos sem mandado de prisão para circularem livremente no complexo, vendendo drogas e confrontando policiais, além de ordenar ataques à sede da UPP, à delegacia e à UPA. A mesma quadrilha incendiou vários ônibus e incentivou moradores a participar de manifestações contra a polícia.Em escuta telefônica, em março, traficantes comentam a possibilidade de “bater de frente” com policiais. Um dos criminosos disse que, se estivesse armado, “pegava eles bonito, de frente.”

Cerca de 300 policiais participaram de megaoperação no Complexo do Alemão%2C após oito meses de investigações sobre a atuação de traficantes na comunidade pacificadaOsvaldo Praddo / Agência O Dia

Nas conversas, o traficante Cristian Nascimento da Silva, o CR, assume que o “seu pessoal” foi responsável por balear o soldado identificado como Fernandes, em maio. A polícia também acredita que o bando é responsável pelo assassinato do soldado Rodrigo Paes Leme, em março, mas não confirmou que os presos tenham matado o capitão Uanderson Manoel da Silva, comandante da UPP Nova Brasília, dia 11.

Um dos menores do bando era tido como ‘gerente’, do tráfico. Em fevereiro, um dos líderes da quadrilha determinou que os adolescentes passassem a observar PMs e atirassem neles. Num só dia, a 45ª DP registrou sete tiroteios entre bandidos e policiais na Nova Brasília. Investigadores descobriram que os menores monitoravam os policiais e trocavam informações por mensagem de celular.

A ação de menores na quadrilha fez o secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, mencionar mais uma vez o debate sobre redução da maioridade penal. “Não defendo o encarceramento ou não encarceramento (de menores). Só defendo que isso deve ser discutido”, comentou ele.

Policiais prenderam mais de 20 suspeitos durante megaoperação na manhã desta quinta-feira%2C no Complexo do AlemãoFoto%3A Osvaldo Praddo / Agência O Dia

Manifestações eram manipuladas por traficantes

A Operação Urano foi deflagrada por volta das 5h30 desta quinta-feira. Várias especializadas como a Delegacia de Combate às Drogas (DCOD), Delegacia de Roubos e Furtos (DRF), Delegacia de Roubos e Furtos de Automóveis (DRFA) e Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) estão participaram da ação no Complexo do Alemão.

Além de Orelha, um outro integrante importante da quadrilha foi preso. Identificado como Marcus Vinícius da Silva Lira, foi capturado quando estava dormindo ao lado do namorado, na Favela Nova Brasília. Ele liderou, em abril, a queima de ônibus e carros nas proximidades do Alemão.

Apontado como o chefe do tráfico no Complexo do Alemão%2C Edson Silva de Souza%2C o Orelha%2C foi preso nesta quinta-feira durante operação na comunidadeFabio Gonçalves / Agência O Dia

As investigações mostraram também que mulheres do bando tinham a função de arregimentar moradores para “manifestações”. Em escutas telefônicas registradas em 27 de abril deste ano, Risodalva Barbosa dos Santos, conhecida como “Paraíba” e esposa do traficante Igor Cristiano Santos De Freitas, o King, diz que “já está com mais de 50 pessoas reunidas esperando a ordem do gerente-geral”. Em seguida, o criminoso determinou que quebrassem toda a base da UPP do Complexo do Alemão e ateassem fogo nela.

Diversas vezes, segundo as investigações, os criminosos ficavam em frente à sede da UPP monitorando os policiais, para dificultar a prisão em flagrante de criminosos. Para o promotor Fábio Miguel, todas as supostas manifestações realizadas por moradores da comunidade no início do ano eram manipuladas pelo tráfico. “Estavam a mando da facção criminosa, revoltados com a atuação das polícias Militar e Civil no combate ao tráfico de entorpecentes”, afirmou o promotor.

O subsecretário de Inteligência, Fábio Galvão, explica que a implantação das Unidades de Polícia Pacificadoras obrigou os traficantes a alterar radicalmente a sua forma de atuação. “Houve mudança de modus operandi. Eles passaram a operar com bocas de fumo itinerantes, não andavam com drogas e armas, guardavam em algum local para fazer o que chamamos de estica (extensão da boca de fumo para outro local)”, afirma.

Policiais prenderam mais de 20 suspeitos durante megaoperação na manhã desta quinta-feira%2C no Complexo do AlemãoFoto%3A Osvaldo Praddo / Agência O Dia

As prisões preventivas cumpridas nesta quinta foram decretadas pelo juiz Alexandre Abrahão, da 23ª Vara Criminal da Comarca da Capital, no dia 15. Em sua decisão, Abrahão alegou a “necessidade de segregação imediata de todos os denunciados”.

Tiros até na presença do secretário de Segurança

Nas 40 comunidades com UPP no estado, as quadrilhas do Complexo do Alemão são as que mais resistem à ocupação policial. Tanto que episódios de confrontos, baleados e mortos são mais frequentes no conjunto de favelas.

Nem o secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, ficou fora da linha de tiro. Durante a corrida Desafio da Paz, ano passado, da qual ele participava, criminosos dispararam contra sede da UPP e o evento foi interrompido. No mesmo ano, o grupo cultural AfroReggae foi expulso do local por ordem do tráfico, segundo o coordenador José Júnior. Dias antes, a pousada da ONG foi incediada.

Em fevereiro de 2014, a soldado Alda Castilhos foi morta em um ataque do bando. No mês seguinte, a prisão de dois moradores fez bandidos atirarem na polícia por duas horas. Duas pessoas foram feridas e a circulação do teleférico parou.

No início de maio, em apenas 10 horas, quatro PMs ficaram feridos. O último policial vitimado foi o capitão da UPP Nova Brasília, Uanderson Manoel da Silva, há uma semana. Os tiros também deixaram milhares de estudantes fora das salas: em 21 de julho, foram sete mil alunos. Para o antropólogo e ex-capitão do Bope, Paulo Storani, faltam investimentos em mão de obra especializada. “A solução vai ser a médio prazo, quando formarem novos policiais para apoiar as áreas pacificadas em situação de crise.”

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