Rio - Por que o Brasil, com mais de 123 milhões de católicos, só tem três santos — José de Anchieta, Madre Paulina e Frei Galvão? Faltam dinheiro e lobby de parentes e amigos para divulgar as virtudes dos candidatos à santidade junto ao Vaticano, onde um processo, que envolve quatro etapas (Servo de Deus, Venerável, Beato e Santo), pode durar décadas e custar mais de R$ 100 mil.
A conclusão, do pesquisador de beatificações Lauro Barretto, vai constar no livro de sua autoria “A Menina Odetinha e o Padim Padre Cícero — Duas Santidades sob Enfoque”, que será lançado em breve. Para ele, quem possui mais dinheiro tem mais chances de chegar ao posto de santo.
“É o caso da carioca Odetinha (Odette Vidal de Oliveira, que morreu de hepatite e paratifo, em 1939, aos 9 anos), cujo processo de beatificação teve início em janeiro deste ano. A família milionária abriu a carteira e teve papel decisivo na formação e difusão da crença da aura angelical que a envolve há 74 anos”, diz Barretto.
Durante as investigações, o pesquisador encontrou publicações nos maiores jornais da época, logo após a morte da menina, exaltando as virtudes cristãs da garota. Odetinha ganhou também biografia do padre Afonso Maria Germe, que era amigo da família. “No Cemitério São João Batista (em Botafogo), onde foi enterrada, seus pais distribuíam terços, santinhos e panfletos exaltando o patrocínio de uma obra social em nome da filha”.
O pesquisador também acredita que a popularidade relâmpago do médico e seminarista voltarredondense Guido Schäffer, que morava em Copacabana, e morreu em 2009, aos 34 anos, surfando no Recreio dos Bandeirantes, e que já teve o processo de beatificação iniciado, se deve à ampla influência da família, dos amigos e da própria Igreja Católica. Reportagens na TV são recorrentes sobre o “primeiro santo surfista”, que tem o cardeal dom Orani Tempesta como uma espécie de padrinho.
Uma associação foi aberta para receber doações em dinheiro e promover ações humanitárias. Eles também usam as redes sociais para difundir os feitos cristãos do rapaz. “Sabemos dos altos custos de uma canonização, mas, com fé, Deus proverá tudo”, acredita a mãe de Guido, Maria Nazareth, 65. Graças à mobilização da família, mais de 100 mil santinhos de Guido foram confeccionados em cinco línguas e enviados até para a Índia.
“Para mim, ele já é santo. Pedi que me ajudasse a ter carteira assinada e quatro dias depois fui atendido”, revela o encarregado de limpeza, Sérgio Amaral, 38. Donos de fazenda de café, em Petrópolis, Zélia e Jerônimo, que morreram no início do século passado e já são Servos de Deus, contam com a ajuda da Igreja na propagação de sua história. Na Catedral Metropolitana do Rio, milhares de santinhos do casal, com oração para a beatificação assinada por dom Orani, são distribuídos todos os dias.
‘É um caminho muito difícil para os pobres’, diz padre
Sem a ingerência familiar e de amigos, candidatos a santos pela fé popular não têm previsão de beatificação. Padre Cícero, do Nordeste, venerado no país inteiro, é um exemplo. “É um caminho muito difícil para os pobres. Me perguntam por que a Igreja não abre processos sem despesas para os mais humildes e eu não sei responder”, critica o padre Neri Feitosa, maior biógrafo de Cícero.
No Cemitério São João Batista, próximo ao badalado túmulo de Guido Schäffer, estão os jazigos de Eloize Guterres, a Neguinha (morta em 1972), e Elizabete de Oliveira Mota, a Betinha (1968). Nos dois, há pilhas de placas com agradecimentos por graças e milagres atribuído às duas, ignoradas pela Igreja, assim como o padre Maurílio Teixeira Penido, que morreu 1970, em Petrópolis. A Igreja garante que já há estudos sobre a vida dele e que causas são abertas a pedidos de parentes e fiéis.
“Não falo sobre isso”, diz o pai de Betinha, o empresário Francisco Mota. Já beatificada, Madre Maria José de Jesus (Honorina de Abreu), filha do historiador Capistrano de Abreu, tem seu processo emperrado há duas décadas. “O dinheiro manda até em canonizações”, desabafou, num artigo, a neta de Honorina, a jornalista Anna Ramalho.
Vaticano cria lista de preços
Dom Roberto Lopes, delegado para a Causa dos Santos da Arquidiocese do Rio, diz que despesas “são inevitáveis”. “Mas são sempre pagas por associações, mantidas por devotos”, explica, lembrando que famílias de candidatos à santidade, como a de Odetinha e o casal Zélia e Jerônimo, doaram seus bens aos pobres.
Irmã Célia Cadorin, da Congregação das Irmãzinhas da Imaculada Conceição, maior autoridade na defesa de canonizações, concorda: “Há altos gastos com teólogos, peritos e médicos, que esmiúçam a vida dos candidatos”. Em janeiro, o prefeito da Congregação para as Causas dos Santos no Vaticano, cardeal Angelo Amato, criou uma “lista de preços”, em busca de “sobriedade e igualdade”.