Rio - A denúncia de que até o Estado-Maior da PM recebia propina de R$ 15 mil de todos os batalhões atingiu a cúpula da corporação. Após a delação feita por um dos 25 presos na operação Amigos S/A há uma semana, o Ministério Público determinou ontem que a Corregedoria Geral Unificada instaure Processo Administrativo Disciplinar e sindicância patrimonial para investigar o comandante da PM, José Luís Castro Menezes, o chefe do Estado-Maior, Paulo Henrique Moraes e o chefe do Estado-Maior Administrativo, Ricardo Coutinho Pacheco.
O PM que delatou a propina paga ao Estado-Maior ganhou a liberdade. Ele prestou dois depoimentos ao Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do MP. Detalhou como funcionava o esquema de propina com a extorsão de empresários, vans e bancos. O resultado da arrecadação era repassado ao coronel Alexandre Fontenelle, ex-chefe do Comando de Operações Especiais (COE) e até à cúpula da PM, como confidenciou o major Nilton João dos Prazeres Neto e Édson Alexandre Pinto Neto.
Segundo os relatos, o recebimento de propina no alto comando da PM só foi interrompido de setembro de 2011 a agosto de 2013, quando o coronel Erir Ribeiro da Costa Filho estava à frente da tropa. A atual gestão será investigada pela CGU. Ontem também o comandante-geral, coronel José Luís Castro Menezes, determinou a abertura de um Inquérito Policial Militar para apurar as denúncias contra integrantes do Estado-Maior. Mas como Castro terá que se defender na CGU, alegou em nota que apresentará comprovantes de seu patrimônio.
A partir das revelações do delator, o juiz da 1ª Vara Criminal de Bangu, Tiago Fernandes de Barros, concedeu sua liberdade. Ele pode até conseguir o perdão judicial ou a redução de pena. A operação Amigos S/A foi deflagrada pela Subsecretaria de Inteligência, da Secretaria de Segurança, e pelo Gaeco há uma semana. Os 23 PMs e um mototaxista estão presos. Na casa do major Edson Góes foram encontrados R$ 287 mil. As investigações apontam aumento patrimonial do coronel Fontenelle e de outros PMs. Com o oficial havia lista de pagamento de propina de R$ 27 mil. Extratos bancários ainda estão sendo analisados.
Tráfico: Outra fonte de renda
O tráfico de drogas seria outra fonte de renda montada pelo grupo do coronel Alexandre Fontenelle, que segundo as investigações agia desde de 2010. Segundo relato do colaborador, quando Fontenelle estava à frente do 41º BPM (Irajá), somente os traficantes da favela de Acari pagavam R$ 20 mil ao comando da unidade. Os valores eram arrecadados semanalmente pelos policiais do Grupamento de Ações Táticas (GAT).
Na ocasião, os policiais que trabalhavam na ronda de trânsito eram os responsáveis por trazer das ruas propina de R$ 15 mil a R$ 18 mil. Desses valores, apenas uma pequena parte, o equivalente a R$ 750, ficava com os praças, chamados de ‘assalariados’ porque, independe dos valores recolhidos, a parte deles era determinada pelos oficiais.
No esquema montado para cobrar propina, que começou no 24º BPM (Itaguaí), o 41º BPM (Irajá) e o 14º BPM (Bangu) e pode ter ido até o COE, os policiais não deixavam de fora nem as pessoas que faziam frente de supermercado. Esses pagavam, assim como mototaxistas e táxis piratas, a quantia de R$ 600, por semana, na região de Bangu. Empresários de empresas de ônibus e caminhões da Zona Oeste também eram alvos.
Para fortalecer o esquema, o major Edson Góes queria promover o delator a comandante da patrulha de trânsito no 14º BPM. O objetivo era recolher mais dinheiro de motoristas de caminhões e vans da Cooperativa Rio da Prata. O pagamento deveria ser fixo e periódico.
PMs elegiam os ‘melhores’ batalhões
Cinco unidades operacionais são eleitas pelos maus policiais como as mais rentáveis. Segundo o PM colaborador da Justiça, na visão dos corruptos os “melhores” batalhões são Bangu, Irajá, Rocha Miranda, São Gonçalo e Duque de Caxias.
No caso de Bangu, quando Alexandre Fontenelle estava à frente do comando, os policiais que mais arrecadavam propina ganhavam o status de fazer parte do “círculo de confiança” do oficial. Eles tinham que “bater”, intensificar a fiscalização nos comerciantes do Ceasa, os resistentes ao pagamento.
Até policial que estava de licença recebia “salário” da propina por ordem do coronel Fontenelle, com quem tinha amizade desde a época do Batalhão de Policiamento de Vias Especiais. Mas havia discórdia entre o grupo porque um capitão exigia que os policiais pagassem a ele R$ 150 independente da arrecadação da propina.
O delator descreve Fontenelle como um homem discreto, que evitava ostentar vaidade, o que no jargão policial era apelidado de “Bill”. Porém, os subordinados faziam questão de deixar em evidência o patrimônio. Os majores Edson Góes e Nilton Neto exibiam cordões e pulseiras, além de carros importados como um Dodge Journey, avaliado em R$ 112 mil.
Patrimônio é principal alvo
O patrimônio dos policiais se transformou no maior alvo das novas investigações. Em depoimento, o colaborador revelou que recebia do major Edson Góes quantias entre R$ 7,5 mil a R$ 13 mil, para serem depositadas uma vez por semana em contas pessoais do oficial, em dois bancos diferentes.
“O dinheiro seria do tráfico em virtude do forte cheiro de maconha que estava impregnado nas cédulas”, afirmou ele. Em função do esquema, policiais tinham negócios diversificados como depósito de gás (onde eram escondidas cervejas, fruto de propina), agência de veículos, casas e apartamentos.