Rio - Em depoimento prestado ao Ministério Público com benefício da delação premiada, um dos policiais militares presos na Operação Amigos S/A deu informações sobre suposto pagamento de suborno à cúpula da corporação. A informação foi veiculada nesta segunda-feira no telejornal ‘RJ TV’, da TV Globo. O depoente diz ter ouvido de dois oficiais detidos na operação que todos os batalhões eram obrigados a pagar R$ 15 mil ao Estado-Maior da PM.
O autor da acusação foi colocado em liberdade, em troca da delação premiada. O PM declarou que “essa informação sobre o repasse de propina para o Estado-Maior da Polícia Militar e para o próprio batalhão (na época o 41º BPM) já lhe foi dita pelo major Edson e pelo major Neto, de maneira reservada”.
Em nota, a PM comenta que o período citado no documento do MP “não se refere à atual gestão do comando-geral da corporação”. Segundo o texto, o comandante Luís Castro Menezes se diz indignado e vai apurar a “denúncia”.
Deflagrada no dia 15 de setembro, a Operação Amigos S/A, realizada pela Subsecretaria de Inteligência da Secretaria de Segurança (Seseg), com apoio do Grupo de Atuação de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público (Gaeco), prendeu 25 pessoas (dessas, 24 PMs) envolvidas em um esquema de corrupção. A quadrilha recebia propina de comerciantes, transporte irregular e dos promotores de eventos na região de Bangu e nos arredores.
Propinas financiavam até festas de oficiais em Bangu
Festas, bebidas e até frigobar. A propina arrecadada pelos policiais militares presos no dia 15 de setembro na Operação Amigos S/A, também era usada para bancar todos esses ‘agrados’ dos praças aos seus superiores oficiais, na época lotados no 14º BPM (Bangu).
Em troca, os subordinados garantiam sua permanência no lucrativo e ilegal esquema denunciado pela Subsecretaria de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública e o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público. Vinte e cinco denunciados foram presos, entre eles, o coronel Alexandre Fontenelle, ex-chefe do Comando de Operações Especiais (COE).
Nas investigações, a polícia descobriu que o dinheiro servia para favores de todo tipo aos chefes: da compra de carregador de celular até o pagamento de R$ 100 pelo reboque do carro do capitão Rodrigo Leitão da Silva, levado de Jacarepaguá para Padre Miguel.
Outra parte do dinheiro extorquido de comerciantes, empresários e mototaxistas da região foi gasta em duas festas de aniversário para o major Nilton João dos Prazeres Neto. A primeira, em 28 de novembro de 2012, em uma casa de festas, regada a bebidas, mulheres, churrasco e som. A ‘animação’ foi tanta, que alguns policiais tiveram até problemas conjugais.
No segundo evento, dia 1º de dezembro, em sua casa, Neto convidou, além de familiares, PMs que participavam do esquema e foi presenteado por eles com 36 latas de energético, 20 caixas de cerveja e cinco de refrigerante.
Agradar ao major que fazia as escalas de serviço e escolhia os policiais que participariam da propina era missão jamais descumprida pelos praças. Tanto que o cabo Wilson Eduardo Nogueira Santos foi obrigado a comprar um frigobar para o oficial, já que a sala onde ele trabalharia temporariamente não tinha o equipamento.
O cabo pagou R$ 719 pela geladeira com o dinheiro da propina que seria dividido entre os praças, mesmo diante dos protestos dos colegas. Escutas telefônicas autorizadas pela Justiça revelam que as exigências do major foram além: ele também queria a geladeira cheia.
“Vocês até trouxeram o frigobar, mas se não tiver nada dentro, não adianta. O que tem que providenciar: Coca Zero, entendeu? Suco, água (...) Tem que providenciar umas cinco latinhas de Red Bull (energético) também para deixar aí no esquema. Vai que aparece alguém querendo tomar uma dose”, ordenou Neto. O sargento Alexandre da Silva ainda pergunta se a geladeira funciona bem, mas o major retruca: “Não sei, não tem nada para beber.” A investigação da Subsecretaria de Inteligência ainda revela que os policiais militares exigiram propinas em forma de comida e bebida para fazer a festinha de fim de ano do batalhão.
Gravações telefônicas
De acordo com as investigações, a propina acertada entre policiais e motoristas da Ambev era de 30 caixas de cerveja por mês, chamada de “ofício” para não levantar suspeitas. No entanto, no fim de ano, foi pedida uma quantidade maior para a festa de confraternização do batalhão, e a quantidade subiu para 50 caixas. Para justificar o pedido, o PM diz que tem que dividir a cerveja com o Comando de Policiamento de Área (CPA), responsável pelo batalhão.
As conversas, monitoradas com autorização da Justiça, aconteceram nos dias 6 e 7 de dezembro de 2012.
PM: Esse mês... sabe que é aquele mês complicado, né. É o mês de festa de final de ano.
M: Pô, tá tranquilo.
PM: Estou precisando cara, entregar o ofício pra você, e vê se a gente conseguia elevar lá aquela quantidade lá de bonificação.
M: Entendi.
PM: Eu precisava disso o quanto antes porque, que a gente ainda por cima ia dividir, como aqui fica concentrado o CPA, né, que é, no caso responsável de uma região, como a Zona Oeste toda, que o nosso CPA fica dentro do batalhão.
M: Sei.
PM: A gente vai ter que ajudar na festa deles também. A nossa festa está programada para o dia 20, mas a deles já está programada para quarta-feira agora.
M: Como tu é meu parceiro vou tentar dar um jeito pra você lá
Em outra conversa, outro PM fala com outro motorista sobre a entrega da cerveja. O material era deixado numa borracharia na Avenida Brasil.
M: Pode deixar no camarada do borracheiro?
PM: Pode. Mandou quanto?
M: Ele falou que deu uma moral esse mês e mandou 50.
PM: Valeu. Show de bola.
M: Falou.
PM: Valeu.
M: Valeu meu camarada.
Cobrança ilegal durante operações de trânsito
Os policiais envolvidos no esquema não se intimidavam nem com a presença de fiscais do Detro e da Secretaria Municipal de Transportes do Rio de Janeiro (SMTR). Segundo as investigações, mesmo quando havia operações desses órgãos na região, eles extorquiam os motoristas.
Nos dias de fiscalização, no entanto, o valor cobrado era menor que o estipulado normalmente pelos policiais: R$ 2,6 mil por semana. Segundo depoimentos de vítimas, o valor era pago em maços de R$ 1 mil. Ainda de acordo com as investigações, esse era o maior ‘arrego’ do esquema, que chegava a R$ 10,4 mil, se o valor cheio fosse pago nas quatro semanas do mês.
Para garantir a arrecadação e aumentar o ‘faturamento’, PMs também faziam abordagens a caminhões e motos, como se fossem blitz legais. As investigações mostram que somente no primeiro dia do sargento Luiz Fernando Paganini no grupo, ele e dois colegas fizeram operação na Estrada do Catonho, onde pressionaram três empresários a aceitar pagamento regular em troca da liberação de seus caminhões.
Mototaxistas de vários pontos também eram obrigados a pagar ‘arrego’ variado, a partir de R$ 100, toda sexta-feira. Os PMs deixavam claro que, caso não ‘colaborassem’, as motos seriam multadas e apreendidas. Em uma conversa entre dois policiais interceptada com autorização da Justiça eles falam sobre confusão entre os envolvidos. Um deles conta que um PM levou bronca porque disse que “o negócio dele é trabalhar em cima do caminhão.” O superior teria dito: “A ordem do coronel é prender moto.”
Beltrame diz que não muda comando
O secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, afirmou que não promoverá mudanças na cúpula da PM por causa do esquema de propinas. “Não haverá mudanças no comando geral. Os índices nos dizem que estamos no caminho certo”, disse, se referindo ao recorde de prisões — 3.507 — no mês passado.
Beltrame deu esta declaração durante cerimônia no 20º BPM (Mesquita), que recebeu um reforço de 200 policiais e 50 viaturas. O comandante da PM, coronel José Luís Castro, que também esteve presente no evento se disse à vontade no cargo. Ele contou que não sabia da investigação, que começou na própria corregedoria da PM. Foi dele a indicação do coronel Fontenelle para comandar o COE: “A gente fica entristecido. Mas qualquer desvio de conduta deve ser punido e investigado com todo rigor”.