Por thiago.antunes

Rio - A tão sonhada casa própria terá que esperar. E não é por falta de dinheiro. Sorteada no programa Minha Casa, Minha Vida, a copeira Cirlene Jardim da Silva, de 38 anos, viu desmoronar a chance de se livrar do aluguel ao descobrir que não existia ‘oficialmente’. O drama começou quando ela tentou tirar a segunda via da certidão de nascimento, necessária para ocupar o apartamento de dois quartos, sala e cozinha em Santa Cruz.

Sua surpresa foi saber que o cartório no qual foi registrada era clandestino. Mas o problema não parava por aí. Todos os documentos de uma vida inteira se tornavam inválidos, porque tinham sido feitos a partir de uma certidão falsa. “Entrei em desespero. Por toda minha vida só tive a cópia da certidão. Ganho R$ 650 líquidos e pago R$ 400 de aluguel em uma casa no Mandela, em Manguinhos. Não sobra quase nada para eu viver. Esse apartamento iria me ajudar muito, me tirar do sufoco”, afirmou a copeira. O cartório clandestino onde o registro foi feito fica em Belém.

A copeira Cirlene da Silva descobriu%2C aos 38 anos%2C que sua certidão de nascimento não tinha validade%3A cartório em Belém era clandestinoAndré Luiz Mello / Agência O Dia

A notícia foi dada por uma amiga do Rio, que foi a Belém fazer uma visita e levou a certidão de Cirlene para retirar a segunda via do documento. Desde então, ela recebe ajuda da Defensoria Pública e da Secretaria de estado de Assistência Social e Direitos Humanos (Seasdh), que tem um núcleo que atua para solucionar problemas de subregistros. 

“Não consegui meu imóvel ainda. Fui sorteada em fevereiro. Recebi uma declaração de que tenho o apartamento no condomínio do programa”, explicou Cirlene, que só poderá entrar na casa nova quando a situação for resolvida.

A copeira não está sozinha. Há um público enorme que nunca tirou uma certidão de nascimento. Só de crianças de até 10 anos calcula-se que existam 28 mil, no estado. São casos como o de Iraci Leandro da Silva, moradora de Vila Kennedy, que casou, teve dois filhos e até os 79 anos não entrava nas estatísticas oficiais do governo, nem se beneficiava de nenhum programa social, porque não tinha documentos.

“Fizemos buscas em todo o país. Ficou comprovado que ela jamais havia sido registrada. O Judiciário determinou a elaboração do documento de registro civil tardio. Agora, ela tem identidade, CPF e o reconhecimento formal do sistema de saúde público”, explicou a assistente social Karla Ferreira, da Seasdh.

Rede ligará maternidade e cartório

É de olho nas futuras gerações que se pode erradicar os casos de subregistros. Para isso, foi criado um projeto no estado aperfeiçoando um programa que já existe, e que permite que mães façam o registro do bebê no hospital onde deram à luz.

“Estamos trabalhando numa rede interligada. A criança nasce e, se a mãe quiser, o registro é feito em outro município do Rio de Janeiro, ainda na maternidade. Criamos um sistema que liga todos os cartórios do estado a um programa que estará em 60 maternidades. Por enquanto, isso já ocorre em 18 delas, mas vamos aumentar a rede”, explicou a presidente da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais, Priscilla Milhomem, que atua com a Seasdh no projeto.

Sem registro: 94% de desaparecidos

Sair da maternidade com uma carteira de identidade do recém-nascido. O Programa Novo Cidadão permite que as mães deixem o hospital com o documento, que vem junto com a certidão da criança. A novidade começou há dois meses e foi implantado, como projeto pioneiro, no Hospital Estadual da Mulher, em São João de Meriti, na Baixada Fluminense.

A unidade foi escolhida por ser referência no atendimento. Em 2013, foram feitos 4.795 partos no hospital. Até junho, já tinham sido 2.085 partos. A iniciativa busca ajudar muitas famílias. Segundo a Fundação para a Infância e Adolescência, das 2.795 crianças já localizadas pelo Programa SOS Crianças Desaparecidas, 94% não tinham identificação civil.

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