Rio - ‘Nós nunca poderíamos imaginar que uma menina de 27 anos iria descer na sepultura”, lamentou Joyce Liane dos Santos, irmã de Jandyra Magdalena dos Santos da Cruz, desaparecida e morta após aborto em clínica clandestina de Campo Grande. Joyce reclamou da falta de fiscalização sobre as clínicas clandestinas: “Com a repercussão do caso da Jandyra, mais meninas podem ficar cientes dos riscos. Mas a fiscalização precisa ser mais rigorosa para que esses lugares sejam fechados”.
Cerca de 70 pessoas acompanharam o cortejo fúnebre e o sepultamento, no cemitério de Ricardo de Albuquerque. “Ninguém tem o direito de julgar o que minha irmã fez. Ela já pagou com a própria vida. Agora o que a nossa família deseja é que as pessoas que fizeram isso com ela paguem em vida. Que se acertem com a Justiça”, disse Joyce Liane.
Samuel Cruz, pai de Jandyra, disse ter ficado impressionado com o que a quadrilha fez com o corpo da jovem. “O que mais me revolta é terem mutilado a minha filha. Ela era uma pessoa incrível”, desabafou. A mãe dela, Maria Ângela dos Santos, e o ex-marido da vítima, Leandro Britto Reis, não foram ao enterro.
Amiga da família, Maria de Lurdes de Oliveira, também fez coro por justiça. “Se eu pudesse pedir alguma coisa, pediria que os culpados fossem presos e não saíssem para fazer essas barbaridades de novo. Alguns já foram presos e já saíram da cadeia”.
Maria de Lurdes, que viu as filhas de Jandyra nascer, informou que as meninas, uma de 8 e outra de 12 anos, já sabem da morte da mãe, mas não foram informadas dos detalhes: “Essa foi uma história muito dolorida, cheia de indefinições. A espera para encontrar o corpo foi longa, e depois achá-lo desse jeito é muito triste”.
Cinco pessoas estão presas
O corpo de Jandyra foi encontrado carbonizado, sem a arcada dentária nem as digitais, dentro de um carro, em Guaratiba. Ela foi identificada por exame de DNA, a partir de material genético da mãe. Ela desapareceu em 26 de agosto.
Cinco pessoas já foram indiciadas e presas, segundo o delegado Hilton Alonso, da 35ª DP (Campo Grande). A motorista da quadrilha, Vanuza Vais Baldacine; Rosemere Aparecida Ferreira, apontada como a chefe do bando; seu ex-marido, o policial civil Edilson dos Santos, Marcelo Eduardo Medeiros, que aluga o imóvel; e Mônica Gomes Teixeira, que recepcionava as clientes.
A polícia procura o falso médico Carlos Augusto Graça de Oliveira, que teria atendido Jandyra . O Disque-Denúncia (2253-1177) oferece recompensa de R$ 1 mil para quem der informações que levem à sua captura.
Militante quer debate sobre legalização
“Se Jandyra fosse francesa, italiana ou espanhola, ainda estaria viva. Não está viva porque nasceu no Brasil”, disse a militante veterana pelo Movimento de Mulheres pela Descriminalização do Aborto, Hildete Pereira, de 71 anos, que compareceu ao velório.
Além da urgência de que postos de saúde ofereçam métodos contraceptivos, conforme a lei, Hildete defende a legalização do aborto. “Essas clínicas estão nas mãos de gente sem conhecimento da área médica, da clandestinagem, da milícia”, diz. “Com a legalização, a mulher correria menos riscos.”
Ontem, dia latino- americano de luta pela legalização do aborto, um grupo de mulheres fez uma passeata pela Avenida Atlântica, na altura do Posto 6, em Copacabana.
Reportagem de Luiza Gomes