Por thiago.antunes

Rio - Aos 80 anos, o jurista Francisco Horta sabe o que é ter êxito, mesmo sob pressão. De toga, ficou conhecido como o ‘Defensor dos Presos’, nos anos 70, pela autoria de projetos de ressocialização que contemplaram mais de três mil detentos. Enquanto se dedicou ao Fluminense, montou a Máquina Tricolor, equipe bicampeã carioca em 75 e 76.

Contudo, poucas horas após assumir a Santa Casa de Misericórdia, confessava estar diante do maior desafio da sua vida e de uma pressão à qual nem mesmo a grita vinda das arquibancadas do Maracanã pode se comparar. Garantiu que recorrerá ao governo para recuperar a saúde financeira da instituição e prometeu combater às irregularidades.

'Fazer caridade custa caro'%2C disse Francisco Horta%2C eleito presidente da Santa Casa de MisericórdiaJosé Pedro Monteiro / Agência O Dia

O DIA: Nem mesmo as recentes denúncias de irregularidades associadas à Santa Casa e a dívida de R$ 300 milhões, assumida por ex-provedores, diminuem a concorrência a cada pleito. Afinal, o que faz com que tantas pessoas tenham interesse no comando da irmandade?

Horta: A vontade de fazer o bem ao próximo. Fiz isto a vida inteira, enquanto jurista, integrante da Associação Comercial do Rio ou presidente do Fluminense. Fui conhecido como o ‘juiz dos presos’, pelo resguardo que tinha com eles no período pós-detenção. Durante o período em que fui presidente do clube, tinha como motorista e secretárias ex-presidiários. Nasci com esta missão.

O senhor tem pouco mais de um ano e meio de mandato pela frente e, em seu discurso de posse, deu ênfase ao ‘resgate da moralidade’. Como combater, em um período tão curto, práticas ilegais que parecem enraizadas na instituição?

A tolerância com a corrupção será zero. Dependemos disso, inclusive, para reaver o credenciamento de instituição filantrópica que perdemos em outubro de 2013 por condições de insalubridade em algumas enfermarias do Hospital Geral e também pelo comando dos cemitérios do Rio.

A meta é reaver o título nos próximos quatro meses, período no qual cumpriremos as exigências técnicas da Vigilância Sanitária. Assim que atingirmos o objetivo, poderemos realizar movimentações financeiras, como a compra e venda de imóveis, que permitirão quitar os débitos atuais.

'Médico de verdade tem que ver cadáveres%2C participar de procedimentos cirúrgicos. Entende quanto o Rio perderia com a falência da Santa Casa%3F'José Pedro Monteiro / Agência O Dia

Para recuperar a imagem da Santa Casa, comenta-se que é fundamental o pagamento das dívidas trabalhistas e dos salários atrasados, também citados como prioridade em sua fala de posse. De onde virão estes recursos?

A luz no fim do túnel é uma sonhada parceria com o governo do estado, na qual alugaríamos cerca de 200 leitos do Hospital Geral para eles. Até mesmo a localização da unidade interessa ao governo, por ficar entre o Centro e a Zona Sul do Rio. Supriria a carência da rede pública e geraria receita para a Santa Casa. Os funcionários têm direito de cobrar, mas não tem sido fácil fechar esta conta. Principalmente depois da perda da administração de seis cemitérios públicos para a iniciativa privada na última semana. Deixaremos de arrecadar R$ 1,1 milhão.

Existe a possibilidade de recurso judicial para cancelar a concessão de administração dos cemitérios ao Consórcio Reviver, já publicada em Diário Oficial (o ‘pool’ de empresas terá o controle de seis cemitérios pelos próximos 35 anos, ao custo de R$ 70 milhões)?

É claro! Administramos o serviço por mais de 90 anos. Não podemos ver o controle escapar desta maneira. Vou ao prefeito Eduardo Paes, se necessário. Mas acho que a regulamentação do serviço deve ser repensada. Nenhuma empresa conseguiria sobreviver com a regra atual do jogo. Não podemos cobrar pela manutenção dos jazigos, por exemplo, e há tributação em cima das vendas, que já são escassas por falta de espaço. Quem herda é obrigado a pagar a manutenção à parte. Precisamos mudar esta norma, cobrar pelo serviço.

Os ganhos com os aluguéis dos imóveis da Santa Casa não bastam para o pagamento de parte desta despesa?

Não. A receita imobiliária atual é de R$ 1,6 milhão. Deste montante, R$ 400 mil estão comprometidos com penhoras trabalhistas. Sobra R$ 1,2 milhão. Ainda temos o custo do pagamento de médicos e funcionários ociosos desde o fechamento do Hospital Geral. Os pagamentos atrasados somam R$ 12 milhões. A manutenção de nossas instalações centenárias, tombadas pelo Patrimônio Histórico, gira em torno de R$ 300 mil por mês. O que nos resta é buscar acordos para fazer pagamentos parcelados.

Falando em instalações e imóveis da Santa Casa, como ficará a situação dos funcionários que não vêm recebendo em dia e temem o despejo dos apartamentos da instituição?

Minha primeira medida, assim que tive o nome formalizado como provedor, foi solicitar à Zirthaeb, empresa de administração imobiliária que venceu a licitação aberta, para que sequer emitisse boletos de pagamento de aluguel e condomínio aos funcionários que estão sem receber. Mas é válido lembrar que são 538 imóveis, quase todos com aluguéis cobrados abaixo do preço de mercado.

Já conversamos com os síndicos destes prédios para melhoria dos serviços e os reajustes futuros respeitarão o teto estabelecido em lei. Somos uma irmandade, jamais permitiria despejos ou algo do tipo. Nossos funcionários não são inquilinos, são nossos amigos.

'Administramos o serviço (nos cemitérios) por mais de 90 anos. Não podemos ver o controle escapar'José Pedro Monteiro / Agência O Dia

Além do atendimento de excelência ao público, o Hospital Geral sempre foi conhecido pela tradição na formação de novos profissionais. O projeto de reativação põe o assunto em voga novamente?

Seria um reencontro com a história da instituição. Por décadas, as extintas universidades Gama Filho e Souza Marques tiveram o HG como seus hospitais-escolas. Neste momento em que a Estácio de Sá acaba de absorver o corpo dissente de 1.200 alunos da Gama Filho, a unidade pode se tornar imprescindível. Médicos como Paulo Niemeyer e Ivo Pitanguy deram expediente neste prédio.

Antes de tudo, temos que funcionar como ‘sala de aula’. Médico de verdade tem que ver cadáveres, participar de procedimentos cirúrgicos. Entende quanto o Rio perderia com a falência da Santa Casa? Não seria uma simples diminuição no número de leitos

E o que lhe dá a certeza de que o quadro será revertido e a Santa Casa voltará a ser referência?

Bem, pela primeira vez temos um governador que , no dia de sua posse, elenca a reativação da Santa Casa entre as suas prioridades. Somos uma irmandade com 135 membros, mas fazer caridade custa caro. O valor pago pelo SUS por consulta é de R$ 35. Como custear os 2.500 atendimentos diários e os gastos com medicação? Boas intenções não faltam, mas precisamos de investimentos. Tenho certeza de que continuaremos a realizar filantropia sem distinção de credo, cor ou orientação sexual.

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