Por thiago.antunes

Rio - O visual estonteante de águas cristalinas, areia branca e dezenas de dunas espalhadas por mais de 410 mil metros quadrados ficou em segundo plano nos últimos dias. Destino de milhares de pessoas no verão, Cabo Frio, na Região dos Lagos, foi tomada, após atos criminosos, por uma sensação de insegurança. O aumento da criminalidade e, principalmente, o grande número de prisões e apreensões de menores, armas de grosso calibre e drogas, que confirmam o poderio do tráfico nas comunidades locais, preocupa.

Pelos dados do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro (ISP-RJ) é possível constatar que, entre janeiro e agosto de 2014 e 2013, houve aumento de ocorrência de diversos crimes. Os estupros aumentaram 83,6%, o roubo de veículos, 78,8%, o roubo a transeunte, 20,9%, e os homicídios dolosos, 3,9%.

Pichações em muros de Cabo Frio mostram a atuação de facções criminosas e mensagens de bandidos%2C o que deixa a população assustadaJosé Pedro Monteiro / Agência O Dia

“Dependemos do movimento durante o verão e isso pode afastar os turistas. Essa onda de boatos e insegurança pode criar rejeição a Cabo Frio”, enfatizou o comerciante Rogério Soares Magalhães, 30, que há oito anos possui um restaurante nas proximidades da Favela do Lixo. Na última segunda-feira, seus vizinhos de comércio tiveram de fechar as portas por ordens do tráfico.

Segundo o engenheiro Eduardo Pompéia, da Bolsa de Imóveis do Rio de Janeiro (Birj), a onda de violência pode prejudicar ainda mais os negócios da cidade. “Entre os municípios da região, Cabo Frio foi o que menos cresceu, apenas 30%, enquanto Búzios, por exemplo, valorizou 60%. Há muita oferta e pouca demanda tanto na venda de imóveis como no aluguel”.

A realidade também é retratada na repressão policial. Nunca os PMs do 25º BPM (Cabo Frio) trabalharam tanto. De janeiro a agosto de 2014, foram 221 apreensões de menores, contra apenas 54 em 2013. Também o número de prisões aumentaram (516 atuais contra 215 passadas), apreensões de armas (185 contra 109) e registros de apreensões de drogas (532 contra 430).

Ao longo da última semana podiam ser vistas com frequência patrulhas circulando pela cidade%2C como na Praia do Forte%2C cartão-postal da cidadeJosé Pedro Monteiro / Agência O Dia

“Desde que assumi (dezembro de 2013), afastamos cerca de 50 policiais, já que alguns de certa forma tinham comprometimento com coisas erradas”, explicou o comandante do 25º BPM, coronel Rui França. “Mexi com a autoestima dos que ficaram. Nosso desafio agora é reduzir os índices de criminalidade”. Na quinta-feira, foram apreendidos em São Pedro da Aldeia, cidade vizinha,três fuzis, oito pistolas, 150 kg de cocaína e cerca de R$ 350 mil, que tinham como destino a Favela do Lixo.

Na ação, feita em conjunto com a Polícia Federal, o 25º BPM descobriu que ‘Kadu Playboy’, chefe do tráfico na favela, possuía quatro casas e mais de 20 terrenos no condomínio de luxo no bairro Cisne Branco, e utilizava os imóveis para armazenar os carregamentos vindos das favelas do Rio, como Jacarezinho, Juramento e Mandela, todas elas também dominadas pelo Comando Vermelho.

Guerra por território

Pelos muros e becos de favelas do CV e do Terceiro Comando Puro (TCP), os avisos estão por todos os lados: “Tá palmeado” (monitorado)”. Além de mostrar audácia contra os policiais, os bandidos também travam uma intensa guerra por território.

“É claro que eles estão sendo orientados por gente de fora e a migração é realidade. Aqui sempre teve uma coisinha ou outra, mas nunca bandido querendo peitar a polícia. Foi a primeira vez que vimos ônibus sendo queimados e uma audácia nas ruas”, disse a jornalista e professora Renata Cristiane, que acompanha de perto os acontecimentos na cidade.

Segundo o comandante do batalhão, apesar da migração, o tráfico local ainda comanda as ações na cidade da Região dos Lagos. “Cerca de 80% de nossas prisões ainda são de filhos da terra. O que começa a ser novidade é a quantidade de apreensões de fuzis, embora já soubéssemos da existência”.

Tensão perto de batalhão e delegacia

Cercada por favelas planas, Cabo Frio vive dias de tensão em todos os bairros. Até mesmo no Centro, em ruas próximas ao batalhão e à delegacia, o clima de insegurança tem alterado o cenário. Na maioria das casas da região é possível observar sistemas de segurança. Entre câmeras de vigilância e cercas elétricas, a tendência é utilizar todas as ferramentas disponíveis para aumentar o nível de proteção.

“Agora mesmo iremos gastar mais R$ 1,5 mil em câmeras externas. Tem que ser assim, pois os boatos se espalham e ficamos com medo. Nunca vi Cabo Frio tão perigosa”, lamentou Carla Beatriz Ferreira, 43. A preocupação da dona de casa teve início após uma tentativa de furto no imóvel. “Quando chegamos o portão estava danificado, como se alguém tivesse tentado entrar”.

Ônibus queimados, banco depredado e troca de tiros

No domingo passado, Cabo Frio e São Pedro da Aldeia foram cenário da revolta dos bandidos. Ônibus foram incendidos e uma agência bancária, depredada. No sábado, quatro bandidos foram mortos na Favela do Lixo, no Bairro Manoel Corrêa, segundo a polícia, enquanto planejavam a libertar um criminoso, conhecido como Beiço, que havia sido preso algumas horas antes na 126ª DP (Cabo Frio).

Policiais apreenderam fuzis e pistolas usados pelos bandidosDivulgação

“Eles tinham o plano de invadir a delegacia. Fomos até o local e os surpreendemos. Foi muito tiro. Eram de 15 a 20 bandidos fortemente armados. Só que, mais uma vez, eles levaram a pior. E se aproveitando da eleição e do efetivo do batalhão dividido, queimaram ônibus”, informou o sargento Américo, um dos PMs que lideraram a guarnição que estava no confronto.

Três fuzis, uma pistola com seletor de rajada e drogas foram apreendidos com os criminosos. Em um áudio gravado por um morador da Favela do Lixo é possível escutar intensa troca de tiros por mais de 10 minutos. “Após casos assim eles tentam dominar a população propagando a onda de pânico”, explicou o sargento.

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