Por thiago.antunes

Rio - Nas paredes da sede do Cordão da Bola Preta, fotos em preto e branco remontam a um Rio antigo que, apesar das mudanças, há quase 100 anos celebra o sábado de carnaval no mesmo lugar: a Avenida Rio Branco. Este ano, porém, os tratores da obra do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), que ligará Centro e Região Portuária, tomarão o lugar dos carros de som que tradicionalmente conduzem multidões pela via durante o carnaval.

Segundo a Riotur, os desfiles devem ser transferidos para a Avenida Presidente Antonio Carlos e Rua Primeiro de Março, mas não há ainda decisão final. O anúncio oficial está previsto para o início de dezembro, após a prefeitura chegar a acordo com os maiores blocos que desfilam na avenida: Cordão da Bola Preta, Monobloco, Bloco da Preta e Cacique de Ramos, entre outros.

Desfile que tomava toda a Rio Branco na manhã de sábado de Carnaval era um dos mais esperados. Para onde vão mais de 1 milhão de foliões agora%3FAlessandro Costa / Agência O Dia

Ao atender o telefonema do DIA, o tom de voz do Presidente do Bola Preta, Pedro Ernesto, muda ao saber da notícia. “Mas já confirmaram?”, indagou. Sem esconder a tristeza, falou como se já sentisse saudade da tradicional passarela, onde o bloco desfila desde 1918 e, segundo ele, poderia se chamar Avenida Carnaval. “Vi o carnaval ser gigante na Rio Branco, passar por uma letargia e depois voltar a ser uma grande festa. “É uma tristeza para os foliões que passaram lá tantos carnavais. É muito mais que um centro financeiro”.

Mas apesar de a famosa marchinha dizer “quem não chora não mama”, não há tempo para reclamação. “Vamos manter a alegria seja onde acontecer. Em conjunto, a gente toma essa decisão com calma e ficamos felizes em fazer parte desse desenvolvimento para a cidade”, disse Pedro Ernesto.

Para Jorge Sapia, vice-presidente da Associação Sebastiana, que representa blocos carnavalescos de rua do Centro e Zona Sul, a mudança é uma chance da prefeitura investir nos desfiles. “É interessante que a prefeitura aproveite a transferência para olhar com mais carinho os blocos que ali desfilam, que nos últimos anos não têm tido tanto apoio”, disse. “É uma pena que essa obra não tenha sido pensada para ser feita de uma forma que não atrapalhasse essa manifestação tão tradicional. É complicado achar outra via que segure esse volume de gente”.

Bloco que também arrasta multidões no domingo antes do Carnaval terá que deixar a Rio Branco em 2015. Dirigentes evitam comentar a medida por enquantoCarlo Wrede / Agência O Dia

A direção do Monobloco preferiu comentar só quando a mudança for anunciada oficialmente, já o presidente do “Cacique” não foi encontrado. Em 2014, segundo a Riotur, o Cordão da Bola Preta mobilizou 1,3 milhão de pessoas. Entre elas, estava a aposentada Lourdes Souza, 62. Moradora do Centro, este ano ela vai ver o carnaval pela janela dos fundos. “Vou desde criança. Lá consigo enxergar aquele velho carnaval. Mas, se for para melhorar a cidade, a gente faz a festa em outro lugar. Que escolham com carinho”.

Vinte julgadores, metade do total, serão substituídos no Carnaval 2015

Não é só nas ruas que o próximo Carnaval será diferente. Após reunião na sede da Liga das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (Liesa), ficou decidido que o quesito Conjunto não será mais julgado entre as escolas que desfilarão na Marquês de Sapucaí em 2015. A outra mudança será no corpo de jurados: 20 julgadores serão substituídos, o que representa metade do total.

De acordo com a Liesa, a decisão tomada esta semana já vinha sendo uma forte demanda das agremiações nos últimos anos. Os representantes das escolas passaram a cobrar a alteração com mais veemência após o último Carnaval, quando alguns consideraram as notas injustas. Presidente da Unidos da Tijuca,Fernando Horta foi o único dirigente que votou pela continuidade do quesito.

Tradicional bloco que fecha a folia no Rio também pode enfrentar problemas para reunir tanta gente%2C depois do início das obras na Rio Branco.Estefan Radovicz / Agência O Dia

Considerado o superquesito, o Conjunto avalia todas as característica das escolas de samba de forma englobada. Com a mudança, em 2015 o julgamento passa a ter nove quesitos o que acarreta na diminuição do número de jurados. Em outros carnavais, como o de São Paulo, o Conjunto, não é avaliado.

De acordo com o presidente da Liesa, Jorge Castanheira, a alteração trará benefícios ao Carnaval de 2015. “O julgamento do conjunto é muito subjetivo, já que o julgador tem que avaliar um pouco de cada um dos quesitos. Ele analisa superficialmente sem se aprofundar em nenhum”, afirmou. Ainda segundo Castanheira, a mudança deixará os desfiles mais dinâmicos e competitivos.

Ex-presidente e atual conselheiro da Beija-Flor de Nilópolis, Nelsinho da Beija-Flor elogiou a mudança e criticou o antigo corpo de jurados. “Alguns não tem capacitação, o cara é médico e ‘tá’ julgando o samba. Ano passado teve escola sem fantasia que ganhou mais pontos que a gente. Ficou engasgado. Recebemos a notícia com alegria”, afirmou o conselheiro.

Mudança não agrada a todos

Apesar de ter agradado a maioria, há quem discorde da extinção do quesito Conjunto. “Você pode fazer uma obra rica em detalhes mas que não está combinando. Se a escola abre um buraco, como isso será julgado?”, indagou Fernandinho Horta, presidente da Unidos da Tijuca. “Nos anos 90 também tiraram o quesito e não deu certo, voltou dois anos depois”, disse.

Já o carnavalesco do Salgueiro, Renato Lage, disse que a mudança vai facilitar o seu trabalho. “Sempre tive dúvida quanto a esse quesito, era uma faca de dois gumes. Mas é uma gordura que saiu para mim. Não havia necessidade de englobar tudo em uma nota só”.

Reportagem de Lucas Gayoso

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