Rio - O morador de rua Rafael Braga Vieira, de 26 anos, preso nas manifestações de junho do ano passado, em meio à polêmica de que estaria com material explosivo ou de limpeza, sofreu punição no Instituto Penal Francisco Spargoli Rocha, em Niterói, e está em cela isolada desde quarta-feira. A infração cometida por Rafael, segundo ofício do subdiretor da unidade, Humberto Silva, foi ter posado para uma foto ao lado de um muro com a frase crítica ao estado: “Você só olha da esquerda p/ a direita, o Estado te esmaga de cima para baixo”.
Para o subdiretor, ‘foi configurado desvio de conduta do interno já que o referido deveria estar mais preocupado em retornar à unidade do que estimular outros a fazerem críticas ao Estado.’ Com a decisão, Rafael, que está preso em regime semiaberto, ficará por dez dias na solitária, considerada um dos piores castigos da prisão, e não poderá trabalhar externamente durante o dia.
A ‘denúncia’ da foto, publicada no dia 30 de outubro, na página do Facebook do Instituto de Defensores de Direitos Humanos (DDH), onde Rafael trabalha, foi feita por funcionários da Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) à direção da unidade. A pichação já existe há mais de um ano no muro da penitenciária. A assessoria de imprensa da Seap limitou-se a responder que ‘foi aberta uma Comissão Técnica de Classificação (CTC), responsável em aplicar a sanção, devido a uma falta disciplinar’.
O advogado do DDH, Thiago Mello, que defende Rafael, disse que a punição do confinamento em um cubículo, onde cabem apenas um colchão e uma pia, foi totalmente arbitrária.
“Não tem nada na legislação dizendo que o preso não pode tirar uma foto, que não foi nem ele quem tirou. A condenação dele também foi feita com base em provas forjadas”, alegou.
A advogada criminal e secretária-adjunta da OAB-RJ, Fernanda Tórtima, disse que não tem nada na lei que diga, a princípio, que o preso possa ser punido por fazer manifestação de pensamento. “O mais adequado nesse caso seria que a questão fosse submetida ao Poder Judiciário”, disse. O representante da OAB no Conselho de Administração Penitenciária, Mario Miranda Neto, disse que as únicas possibilidades de interpretações da lei de execuções penais para que Rafael fosse punido são ‘absurdas’. “A lógica do sistema prisional é de que qualquer pessoa que reclama do Estado é mau. Mas a atitude não é representativa dos funcionários da Seap”, disse.
Justiça é quem deve analisar punição
?O projeto de lei de reforma da Lei de Execução Penal (513/13), em análise no Senado Federal, pede que todas as punições dadas pela Secretaria de Administração Penitenciária sejam antes analisadas antes pela Justiça. Pela norma, a suspensão ou restrição dos direitos dos presos deve ser feita somente por decisão motivada do juiz.
Entre as sanções que seriam avaliadas previamente pelo Judiciário estão a distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação, a visita de cônjuge, parentes e amigos e o contato com o mundo exterior. Hoje, elas são decididas pelos próprios membros da Seap. A medida busca, em sua justificativa, evitar arbitrariedades por parte dos diretores de unidades prisionais.
O projeto de lei também determina que o advogado ou o defensor público do preso esteja presente no julgamento das punições da Comissão Técnica de Classificação prisional, composta pelos membros da unidade. Segundo a justificativa dos autores da medida, os procedimentos disciplinares atualmente são uma grande farsa, pois o preso presta depoimento completamente desassistido.